O PENSAMENTO HINDU (VEDANTA)
Swami
Ritajananda
ÍNDICE
Apresentação
Introdução à
meditação
I O que é a Vedanta?
II A psicologia hindu
III A busca da realidade
IV A natureza da alma
V Disciplinas vedânticas
VI As yogas
VII A experiência espiritual
VIII Apêndice
APRESENTAÇÃO
A vida nos propõe muitas limitações e interrogações. Desde a note dos tempos sabe-se de homens que têm buscado uma vida
para sobrepujar essas limitações e resolver fatos intrigantes. O intelecto tem
demonstrado, sempre, ser insuficiente. Requere-se, forçosamente, um
conhecimento de ordem superior, um saber supramundano que só é resgatável
através do próprio ser. O homem tem ensaiado procedimentos e técnicas de
interiorização para apreender a última realidade; têm indagado,
nas profundidades de sua consciência, para desenvolver suas potencialidades;
tem concebido métodos de auto-realização para compreender as coisas tal como
são e reencontrar seu autêntico ser (ou não-ser). A Índia antiga tem sido berço de
importantíssimas técnicas de realização, sistemas soteriológicos, sutis
metafísicas e elevadas místicas. A Índia é a terra original da yoga, samkhya, o
budismo, o jainismo, a vedanta e outros caminhos para o alto.
A Yoga e a Vedanta formam parte da
quintessência da mística hindu. São dois dos seis darsanas (pontos de vista
espirituais ou filosóficos) ou escolas de pensamento hindu. Ambas são técnicas
de liberação: liberação da dor, da ignorância, do desejo, dos venenos da mente,
da obscuridade espiritual. Ambos são veículos para passar da margem da servidão
à margem da liberdade. E a esses dois essenciais sistemas de auto-realização
faz referência, com admirável clareza e precisão, Swami Ritajananda. De forma
direta, sem perder-se em inúteis abstrações, que aumentam o pó da ignorância,
ao invés de eliminá-lo, apoiando-se freqüentemente no insuperável ensinamento
dos Upanishad, Swami Ritajananda expõe os princípios fundamentais da Vedanta e
da Yoga, como pontes a recorrer para esse alvorecer a que tem apontado as mais
genuínas tradições espirituais. A Vedanta nos tem mostrado um rico e elevado
sistema de pensamento, nos convida a discernir entre o essencial e o aparente,
nos exorta a encontrar nossa real natureza, mediante as auto-indagações e o
desenvolvimento da sabedoria. A Yoga nos reporta a métodos psicofísicos e
psicomentais verificados ao longo de milênios e que estão ao alcance de
qualquer pessoa que persiga a nobre busca da iluminação e a integração
definitiva.
Swami Ritajananda nasceu na Índia.
O mesmo diz sua formação espiritual:
Quando
saí da universidade senti um impulso de viver por um ideal. Após ler
Ramakrishna e Vivekananda, considerei que devia seguir esses
ideais e essa forma de vida. Então ingressei na Missão e conheci alguns
dos discípulos diretos de Ramakrishna. Isto por mais e quarenta anos. Depois de
trabalhar ativamente em algumas instituições da Missão fui para os Estados
Unidos, permanecendo por alguns anos em Nova Iorque e depois na Califórnia.
Depois fui para a Missão da França, onde moro há mais de quinze anos. Não temos
um afã missionário, nem tratamos de nos impor ou de converter. Nos entregamos, isso sim, quando nos pedem, quando nos
buscam, quando de nós necessitam.
Swami Ritajananda dirige o ramo da
Missão Ramakrishna Vedanta na França. O entrevistei longamente em duas ocasiões
e parte de suas respostas aparecem em um apêndice, no final da obra.
A coleção NIRVANA se propôs a
tratar com seriedade e rigor as filosofias, psicologias, místicas e caminhos de
auto-realização do Oriente, acolhendo em seu seio, autores de indiscutível
solvência. Tal é o caso de Swami Ritajananda, que com sua obra “O pensamento
hindu (Vedanta)”, nos introduz nos férteis e promissores vales da sabedoria
clássica da Índia.
RAMIRO A. CALLE
INTRODUÇÃO À MEDITAÇAO
A meditação é uma prática
espiritual que se ensina na Índia, por meio da religião, até às próprias crianças. Quando se adquire, desde uma idade precoce, o hábito de
meditar, encontra-se o caminho da aspiração profunda para o divino. É nosso
propósito nos referirmos a uma série de aspectos das técnicas de meditação,
para mostrar que se trata, na realidade, de um
exercício espiritual destinado a preparar o caminho da realização. Do mesmo
modo e com este mesmo objetivo, seguem-se diversas yogas. Pode-se praticar a
Raja-yoga, a Hatha-yoga, a Bhakti-yoga, a Karma-yoga, a Gnana-yoga e outras
yogas. Cada disciplina corresponde a um tipo concreto de yoga, mas todos as yogas possuem instruções especiais sobre a
meditação e concentração.
Quando se pratica o Hatha-yoga, que
inclui exercícios corporais benéficos para a saúde do organismo, deve-se compreender que é necessária uma purificação
interior e exterior e que a preparação física, através das diversas posturas, a
prática do Pranaiama (exercícios de respiração) têm, como única finalidade, a
de colocar o discípulo em um estado de saúde adequado à meditação.
A diversidade de práticas das
distintas yogas tem sua origem na variedade da natureza dos seres humanos. A
inspiração profunda de cada um deve orientar sua prática dentro desta
diversidade. Há pessoas de natureza física muito ativa e de natureza emocional
muito sensível, predispostas à reflexão e ao pensamento abstrato, ou de
tendência claramente mística, ou dotadas de um grande poder
de concentração. É compreensível que naturezas tão diversas correspondam
a práticas diferentes.
A exposição de todas estas técnicas
é impossível de realizar com brevidade. Nosso propósito é, por isto, o de nos
limitarmos ao aspecto da meditação no pensamento hindu.
A prática da meditação não pertence
a uma religião em particular, senão que compreende todos os caminhos que os
homens seguem em busca de Deus. Serve, pois, para todos os seres humanos que
queiram ter uma experiência espiritual e alcançar o nível do transcendental.
O conhecimento que obterão desta
experiência é de natureza completamente diferente ao que podem conseguir das
experiências sensíveis ou psíquicas da vida cotidiana, incluindo as reflexões
intelectuais.
+ + +
Todas as religiões aceitam a existência de uma só Realidade
transcendental. Sem dúvida, os homens não estão acostumados a captar o
significado do transcendental. Por isso é necessário preparar sua mente para
seguir o caminho espiritual que os leve,
progressivamente, para a Realidade.
A purificação do espírito é, por conseguinte, a primeira etapa a
cumprir. O Senhor Jesus disse:
Bem-aventurados os limpos de
coração, porque eles verão a Deus.
O coração é a palavra da Sagrada Escritura, o centro da presença divina;
para nós significa a purificação do espírito. Enquanto permanecermos atados aos
objetos deste mundo, nosso espírito será incapaz de avançar pelo caminho da
espiritualidade.
Os Aforismos da Yoga de
Patanjali, referem-se à disciplina moral prévia ao
início da meditação.
Sendo conhecido o ideal, basta colocar em prática os meios de alcançá-lo.
Estes meios são os seguintes:
Yama: Abstenção de matar, sinceridade, abster-se de roubar, castidade,
abster-se de aceitar presentes.
Isto é o que se conhece por Yama, os grandes votos universais que devem
ser observados por todo o mundo, por homens, mulheres e crianças, por todas as
almas, qualquer que seja seu país ou sua situação.
Niyama: Purificação interior e exterior, felicidade, austeridade, estudo e
adoração de Deus.
Estes são os Niyama. A pureza interior vale mais, como é lógico, que a
exterior, mas ambas são necessárias. A pureza interior sem a inferior, não
serviria de nada.
Asana: Postura que deve ser estável e agradável. Se não se está sentado de
forma estável, não é possível praticar os exercícios de respiração. Uma postura
é considerada estável ao se deixar de sentir o corpo. A continuação vem:
Pranayama: Dona dos movimentos de expiração e inspiração. Nos
permite dominar as forças vitais do corpo.
O Prana não é o alento. É o conjunto de toda a energia cósmica e também
a que há em cada corpo. O movimento dos pulmões é sua manifestação mais
visível, mas não é a única. O controle da respiração é o meio mais fácil de
alcançar o domínio do Prana. Mediante o Pranayama se pode dominar a mente.
A continuação tratará de concentrar o espírito.
Dharana: Estado em que a mente se fixa em um objeto e permanece neste estado de
fixação. Então um fluxo de conhecimento chega ao objeto de fixaçao e passa a:
Dhyana: A meditação.
Por meio da meditação, nosso espírito aprende a desprender-se dos
objetos deste mundo, para fixar-se nos pensamentos espirituais e nas qualidades
divinas. Chegando a este ponto, seria necessário aprofundar muito no tema para
chegar a distinguir os pensamentos verdadeiramente espirituais e as qualidades verdadeiramente
divinas.
Para chegar até aqui é necessário ter uma aspiração muito intensa no
conhecimento espiritual. Sem uma aspiração verdadeiramente intensa, não se
avançaria em absoluto pelo caminho do espírito. Na Índia, os grandes santos
fazem perguntas como as seguintes:
Você tem saudade do Senhor?
Você pensa que não pode viver sem um contato direto com o divino?
Assim, a única condição requerida é a intensa aspiração espiritual, que
não pode se comparar com os desejos deste mundo. Sri Ramakrishna nos conta o
exemplo de um jovem discípulo que queria alcançar o Samadhi, estado de
realização do Supremo. Seu guru o levou ao rio junto com ele, afundou sua
cabeça sob a água e a manteve assim por um momento. Quando a tirou da água, o
guru perguntou ao discípulo:
- Qual era seu único desejo quando
estavas sob a água?
- Retornar ao ar livre - respondeu.
- Pois bem, quando experimentar um desejo intenso assim de conhecer o
divino, o conseguirá.
É então quando, de verdade, se pode meditar. Certamente temos que
compreender que o Senhor não vai ocupar somente uma parte de nosso pensamento. Se tenho o espírito agitado por todo tipo de pensamento
mundano, se penso na comida, nisto ou naquilo, é evidente que a meditação não
será possível. Mas isto não quer dizer que não possamos meditar. Para chegar a
meditar devemos, antes de tudo, desejá-lo e alcançar a preparação necessária
que antes esboçamos.
Quando se lêem as vidas dos santos cristãos, chama a atenção a
intensidade de seu amor por Deus e sua atração para o divino. A vida espiritual
pode sempre essa mesma forte e sincera aspiração, que leva o discípulo para o
Supremo.
DESCRIÇÃO DA MEDITAÇÃO
A meditação é um impulso interior, que concentra toda nossa atenção em
nosso ideal. É um processo mental que nos permite ir mais além da mente.
O Mundaka Upanishad dá uma boa
imagem da meditação ao compará-la com uma flecha lançada de um arco contra um
alvo. Há dois fatores presentes:
1. A força com
que se lança a flecha.
2. A direção em
que foi lançada.
Para alcançar o alvo é necessário cumprir perfeitamente com ambas as
condições, antes que a flecha abandone o arco. Se a força com que for lançada
não for suficiente e a direção em que é lançada não for a correta, não poderá alcançar o alvo e ficar cravada nele.
O mesmo acontece com a meditação. Quem quer meditar, deve ter diante de
si seu ideal, como se fosse um alvo a alcançar. E deve dirigir sua intensa
atenção com todas suas energias para esse objetivo. A trajetória da flecha até
chegar ao alvo, representa o processo da meditação.
Meditando deste modo, o homem se
une ao seu ideal. É necessário que a flecha abandone o arco e, do mesmo modo, o
homem tem que abandonar a consciência de seu corpo, para mergulhar na meditação
profunda na qual alcançará o Supremo. Deve permanecer inconsciente por completo
do mundo exterior. Este estado recebe o nome de Samadhi.
É difícil descobrir os diferentes estados da meditação e a contemplação,
assim como é difícil consenti-los. Só quem é capaz de abandonar tudo o que
pertence a este mundo, incluindo a consciência de sua individualidade, poderá
chegar à meditação realmente profunda.
O homem que medita, não pensa nas idéias associadas ao seu ideal, nem em
seus atributos, não tem pensamentos rodopiando em sua cabeça. Somente pensa no
ideal. Tomemos o exemplo de um fiel que medita sobre o Senhor Jesus.
Previamente preparará seu espírito mediante exortações piedosas. Logo, no
momento da meditação, seu espírito estará completamente livre de todo
pensamento ou atributo, para ficar tão somente diante da visão ideal do Senhor
Jesus. Seu espírito permanecerá fixo no ideal, sem nenhum movimento do
pensamento, nem da emoção. Assim é como eu entendo a prática do mandamento:
Amarás ao Senhor teu Deus de todo coraçao,
com toda rua alma, com todo teu espírito. Este é o primeiro e mais importante
mandamento.
Mateo, 22-37,38.
Conta-se o exemplo de uma pessoa que amava outra. Quando a pessoa é
amada, quem a ama já superou o período durante o qual se desenvolveu nela a
admiração pelo objeto amado. Ao tornar a ver a pessoa amada, não pensará na
razão do seu amor, nem nas qualidades do objeto amado, pois somente se sentirá
absorvida na alegria de sua presença. A presença está ali e isso é tudo.
O mesmo acontece com os devotos que meditam. Não pensam nem na glória,
nem nos atributos de seu Senhor, mas somente na sua Presença. Essa é a tradição
hindu da meditação. Outra tradição hindu muito antiga é a meditação sobre o
disco solar luminoso, fonte de vida. O disco solar é o alvo. A oração, que
ainda hoje em dia se repete, é a Gayatri:
OM
Meditemos sobre esse Ser
resplandecente
que dá vida ao universo inteiro!
Que Ele dirija nossa inteligência
até a luz!
Aqui OM é o arco. É a mais curta das silabas
sagradas. O alvo é a Realidade suprema. A flecha é quem medita com toda a
intensidade de sua atenção dirigida para o Supremo.
Sem a intensidade da atenção, a consciência de quem medita, não poderia
alcançar o Supremo.
O Gayatri é um Mantra composto, como todos os Mantras, de sílabas
sagradas, as quais se atribui um grande valor
espiritual. O som das palavras sagradas é também importante. Os Mantras ajudam
na concentração do espírito.
Também é possível meditar sobre o Sem Forma, o impessoal, o infinito,
mas é muito difícil. A técnica desta meditação metafísica é empregada por quem
pratica o Gnana-yoga. Admitem a existência de uma só Realidade absoluta:
Brahman. Para eles, não existe outra realidade e refletem constantemente sobre
dois ideais:
1. Ao ver os
objetos que os rodeiam, pensam que são objetos efêmeros e não reias.
2. Pensam que a única Realidade está oculta por detrás de tudo
o que vemos.
Sua concentração se fixa no único Supremo. Brahman é o alvo, OM é o arco
e a flecha é sempre a mesma, a intensa atenção de quem medita.
Por último, que encontra quem medita? Quem medita sobre o Senhor pleno
de graça e de amor, o realiza em sua vida. É uma experiência impressionante. As
qualidades divinas, sobre as quais meditou, se manifesta nele.
Por exemplo, ao meditar sobre a
força divina, esta qualidade se manifestará nele, embora numa forma muito
diferente da que normalmente atribuímos a esta força.
Qualquer que seja a forma de
meditação que se pratique, é sempre necessário abandonar o egoísmo e superar o
ego. Isto admitem todos os mestres espirituais. Quem
transcende seu ego, experimenta uma mudança muito profunda: sua natureza se
transforma. A flecha alcança o alvo e fica cravada nele, unida a ele.
Deste modo, a consciência
individual, o ego, funde-se no divino. Só fica nesse homem um leve rastro de
seu ego, o mínimo imprescindível para sobreviver no mundo sem egoísmo.
O objetivo de quem medita é chegar
à transformação profunda da natureza humana. É um estado que só experimentam os
santos. Carecemos da possibilidade e os meios de descrevê-los e somente podemos
admirar e apreciar a quem o alcançou.
Para terminar, algumas observações
mais.
Quando se considera o processo da
meditação, se observa que depende de nosso pensamento. É uma atividade mental
que serve para superar a mente e alcançar o transcendental.
Deixemos claro que a Realidade
transcendental não é um objeto do pensamento. Só se alcança superando toda a
atividade mental. É o caminho da intuição.
A intuição não é, em absoluto,
comparável ao sono profundo, que é um estado de ignorância. No sono profundo
tocamos a Realidade, porém a ignoramos. Um homem que desperta do sono tem a
consciência habitual da vida cotidiana, enquanto que o que medita e consegue
superar toda a atividade mental, alcança uma sabedoria extraordinária:
converte-se em um santo.
Não é possível saber que forma de
meditação nos é mais adequada, sem a colaboração de um guru ou mestre
espiritual. Necessitamos de um guia que saiba nos introduzir pelo caminho que
desconhecemos, pois não sabemos qual é a nossa autêntica natureza e quais são
nossas possibilidades de introspecção. É freqüente confundir nossos desejos com
nossa tendência natural a uma adequada compreensão. Deste modo, projetamos
nossos desejos, em lugar de encontrar, em nós mesmos, a essência do eterno.
Necessitamos ser ajudados para conhecer o caminho a seguir.
Porém, atenção!
Devemos escolher um guru
verdadeiramente capacitado e não um qualquer. É
necessário conhecer muito bem quem será nosso guru e estar absolutamente seguro
de sua sinceridade, sua sabedoria e sua conduta. Deve ser capaz de nos mostrar
o caminho para o Supremo.
1. QUE É A VEDANTA?
O termo Vedanta já é conhecido no Ocidente, embora seja objeto de
interpretações muito diversas. A isso se deve nossas dificuldades para
compreender, com exatidão, seu significado. Na continuação, nos referiremos à
origem desta palavra para, assim, podermos abordar plenamente o tema.
A Vedanta é uma expressão muito
antiga do pensamento hindu. Trata-se de um pensamento metafísico que guarda
certa semelhança com a religião, mas sem incluir nenhum dogma, pois a Vedanta
não se acha vinculada a nenhuma crença particular, nem a nenhuma personalidade,
nem sequer a um livro sagrado deixando, neste aspecto, uma margem um tanto
ampla de liberdade, que torna difícil reduzi-la ao que, geralmente, se entende
por religião.
O pensamento vedântico é
surpreendente porque não se refere a um deus exterior a nós. Insiste fortemente
na Divindade que há dentro de nós. Deus é infinito. Está em todas as partes, é
transcendente. Deus é Espírito. Se O buscamos por meio do Espírito, poderemos
alcançar a realização do Absoluto ou Realidade suprema. A Vedanta diz que esse
é nosso ideal e nosso dever, o objetivo de nossa vida na Terra.
O homem se encontra no caminho da
evolução para chegar a manifestar sua verdadeira natureza, que é a Divindade
que está presente em seu seio. Quando vemos homens pouco evoluídos, nos damos
conta de que estão mesmo num estado primário, embora pouco a pouco também chegarão a manifestar sua verdadeira natureza. Este
progressivo aperfeiçoamento é o objetivo da vida terrena. E para isso, cada um
de nós encontra, neste mundo, a oportunidade que mais lhe convém. Compreendemos
isso quando nos encontramos na disposição do espírito que nos faz aceitar nosso
dever e nos esforçamos em cumpri-lo o melhor possível.
Está claro que o maior obstáculo à
nossa própria evolução é o desejo de conservar nossa individualidade, a qual nos agarramos de modo egoísta. A Vedanta nos ensina
que o homem, cuja consciência está limitada a sua individualidade humana, só
pode sentir uma alegria muito limitada. Enquanto permanecer assim, agarrado ao
seu egoísmo, não poderá alcançar a beatitude, pois ela só existe no infinito.
Quando ao modo de nos aproximarmos
da Realidade suprema, a Vedanta ensina que não devemos buscá-la fora de nós e
que enquanto nossas faculdades não estiverem purificadas e colocadas por
completo a serviço desse objetivo, não a alcançaremos. Nossa atual compreensão
deste mundo está limitada por nossos desejos egoístas, nossas experiências e
nossos pensamentos. Por isso a verdade deste mundo permanecerá oculta e
incompreensível, enquanto não formos capazes de superar nossas próprias
limitações.
O Espírito é tudo. Mas nossos
juízos são juízos equivocados, porque estão condicionados por nosso espírito impuro,
ou seja, egoísta, e por nossa individualidade, nossa natureza humana, nossos
laços e nossas aversões. O ensinamento vedântico nos pede, antes de tudo, que
purifiquemos nosso espírito humano, para torná-lo capaz de compreender a
Verdade. Ninguém pode fazê-lo por nós. Nós mesmos é que teremos de desejar a
purificação.
A Vedanta não fala de uma vida
posterior no céu, no purgatório ou no inferno. Seus ensinamentos são
enormemente realistas. Nos pede que nos contentemos
com nossa vida atual tendo, constantemente ante nós, o ideal da evolução.
A vida material deste mundo nos
atrai por seus gozos e prazeres, porém isso só revela nossa ignorância e nossa
vinculação às coisas prazerosas e triviais, quando deveríamos saber que existe
um estado excepcional: o do Conhecimento.
Devemos nos esforçar para alcançá-lo.
Talvez alguém se pergunte qual
seria o destino de um homem muito materialista, que só se ocupa dos bens
terrenos. Como será ajudado, em seu caminho da evolução? Ele não o vê, já que
só pensa nos prazeres mundanos e passageiros. A Vedanta diz que, nem sequer
este homem poderá permanecer sempre neste estado de ignorância, pois sua
própria natureza o forçará a descobrir as limitações dos prazeres mundanos.
O fato de que buscamos
constantemente a felicidade, demonstra que nossas experiências e a posse de
bens deste mundo, só nos proporcionam um débil prazer. De um modo ou de outro,
chegará o dia em que compreenderemos isso com clareza.
A vida é muito mais ampla do que
pensamos hoje em dia, pois vivemos encerrados em um pequeníssimo mundo humano,
fabricado por nosso espírito. Ainda não compreendemos a grandeza do Infinito.
A Vedanta ensina que Deus não é uma
Pessoa, mas um Princípio: o Princípio supremo, o Absoluto que controla, ao
mesmo tempo, a criação, a conservação e a destruição. Deus não muda, não se modifica. É eterno.
Ao vivermos em um corpo humano e ao
nos identificarmos com este corpo, nossa religião, às vezes, se converte em uma
experiência mais da carne que do espírito. Por isso atribuímos ao Senhor
qualidades humanas, inclusive a cólera, a inveja e o ódio. Mas este pensamento
antropomórfico nos afasta mais do Senhor que, como diz a Vedanta, é o “mais
próximo de nós”.
O Senhor é tudo. O ensinamento
vedântico nos diz que devemos entender a religião de outro ângulo, que devemos
entender o mundo inteiro com uma visão mais ampla e um espírito mais aberto.
A consciência do “eu”, que temos
encerrada neste pequeno corpo, deve sair de sua prisão e encontrar a liberdade.
O objetivo supremo que propõe a Vedanta, é descobrir a
Unidade oculta por detrás da diversidade deste mundo. Tal experiência é
possível. A Vedanta nos mostra o caminho, nos ensina a prática espiritual, que
é também a prática de uma religião ideal. Em outras palavras, a Vedanta é um conhecimento
experimentado espiritualmente. Seu objetivo é o de resolver o mistério da
existência.
Certamente, cada um de nós explica
este Universo a seu modo, tal como o compreende. No entanto há perguntas que
ficam sem respostas. Dentre as diversas escolas filosóficas, a Vedanta trata de
dar uma explicação tão compreensível quanto é possível, da nossa existência,
questão fundamental para nós.
Desde os tempos mais remotos
encontramos, na Índia, a crença profunda na “Verdade, somente ela e única”.
Sempre é a mesma, mas os profetas falam dela sob formas e linguagens
diferentes.
Ekam
Sad Vipra Bahuda Vadanti.
Um homem vê e compreende, segundo suas próprias capacidades. O mesmo objeto não é visto, de igual modo,
por todos. Nossa visão depende de nossa inteligência, de nossos gostos e de
nossa atitude.
As Escrituras sagradas da Índia
apresentam as idéias metafísicas sob distintas formas. O Bhagavad-Gita, por exemplo, fala de várias yogas e dá explicações
que correspondem a diversos temperamentos. Aqui, estamos acostumados a ouvir
falar de filosofia em uma forma claramente definida. Não é este o caso do
pensamento hindu antigo.
A isso se deve que a Vedanta
representa, para alguns, uma filosofia, e para outros, uma investigação
cientifica. E isso é correto, pois a Vedanta contém a expressão de uma
filosofia, de uma religião, de uma psicologia, de uma ciência, quer dizer, de todo o conhecimento humano. Seguindo os
ensinamentos vedânticos, dizemos que todas as experiências da vida, em sua
incrível variedade, têm seu próprio valor; cada uma delas favorece nossa
evolução, das nossas faculdades e de nossa compreensão, na busca da Verdade.
Em todo caso, nossas experiências
são úteis, parecendo agradáveis ou penosas. Por isso a Vedanta é sempre um
estudo interessante, que nos ensina a considerar a vida com maior respeito.
Há outro aspecto que nos impulsiona
a estudar a Vedanta: a compreensão de nós
mesmos. Todas as experiências de nossa vida nos pertencem e, por isso,
chegamos a considerar que a compreensão de nós mesmos é nosso dever imediato,
essencial.
Os Upanishad,
textos vedânticos por excelência, nos aconselham a conhecer o Atman.
Atman
Viddhi, dizem os Upanishad.
A Consciência eterna está dentro de
nós. Por meio dela vemos, escutamos e pensamos. O Atman é a Consciência. É a
Luz que ilumina todas as nossas experiências. Se um homem ignora esta verdade,
no estado de vida atual, da excessiva importância das coisas exteriores, embora
as compreenda muito pouco. Esta consciência existe sem interrupção em nosso interior,
quando estamos despertos e quando sonhamos. Não há ruptura. Não se pode dizer que estejamos mais vivos quando estamos
despertos, que quando estamos sonhando. Não podemos negar a nós mesmos, não
podemos conceber nossa não-existência.
Nossa consciência persiste, ao
sentir a continuidade de nossa visa, através de nossas experiências de bem e de
mal, de nossas afirmações e negações, de nossas dúvidas e convicções.
Nas diversas explicações que se dão
ao Senhor, encontramos a palavra existência = Sat; com ela formulamos nossa idéia: essa existência é “eu sou”. E chegamos a descobrir que, na realidade, somos
“eu sou”, Realidade pura, acima de todas as limitações que são impostas ao
nosso intelecto.
A beleza da Vedanta consiste em nos
guiar para o descobrimento do “eu sou”, do “eu”, e que nos faz compreender que
nossa verdadeira natureza é a consciência pura, eterna, perfeita, acima de todo
visível. É a luz que ilumina tudo.
Mas a maior parte dos homens não
compreende nem sua verdadeira natureza e jamais a utilizam. Experimentam
mudanças e se identificam com personalidades diversas, impostas sobre sua
verdadeira natureza. Deste modo, nossos sofrimentos são produzidos por nós
mesmos e são produzidos pela ignorância de nós mesmos.
O único meio que permite afastar
definitivamente o sofrimento é alcançar o conhecimento de nosso verdadeiro eu.
A Vedanta o chama Atman e afirma que
o conhecedor do Atman se eleva acima
de todas as misérias:
TARATI SHOKAM ATMAVIT, disse o Upanishad.
O Atman não nasceu nuca e não morre jamais. O nascimento e a morte
estão na natureza, Prakriti, não no Atman.
Os Upanishad e o Bhagavad-Gita dizem:
O Atman não pode ser ferido, queimado, molhado ou secado. É eterno,
ubíquo, estável, imóvel e antigo.
Se diz que
Ele é o não manifestado, impensável, imutável. Assim, se você sabe que Ele é
assim, não deve ficar aflito.
Diálogo, II,
versículos 24 e 25.
A liberdade eterna existe para
todos. Devemos tratar de alcançá-la. Para nós é uma necessidade. Temos o forte
desejo de alcançá-la, pois é o objetivo de nossa vida. Nossos desejos restantes
são somente ilusórios. A Vedanta nos diz que nossas boas ações, neste mundo, já
são uma manifestação dessa liberdade. Os sábios antigos se expressavam assim,
em um poema:
Por que chora, meu amigo? Para você não existe nem o medo, nem a morte.
Por que chora? Para você não há miséria, pois você é como o infinito céu azul.
Sua natureza é imutável. Nuvens, de todas as cores, passam diante de
você, jogam por um momento, e depois se afastam.
O céu é sempre o mesmo.
Você deve separar as nuvens. Isso é tudo.
A possibilidade de alcançar a
perfeição pertence a vida humana. Quando um homem
alcança este conhecimento, mesmo que seja só por alguns segundos, jamais
voltará a ficar submerso nas ilusões de sua personalidade.
Constantemente estamos tendo
experiências, que mudam e acontecem como as imagens de uma tela. A luz que as
anima é sempre a mesma. Quando o filme desaparece, acaba a Luz em toda a sua
glória.
A Vedanta afirma que o home que
alcançou a compreensão do Atman, sua verdadeira natureza, a si mesmo, nunca
ficará aflito. Se um homem faz o bem neste mundo, será aquele homem. Só pode
compreender o significado de fazer o bem aos demais. Para ele, só há uma
Realidade. Por isso, não poderá ser egoísta, pois o egoísmo é uma
diferenciação. Quando um homem chega ao conhecimento do Atman, está acima de
todo o egoísmo, alcançou o estado no qual vê sempre o Eterno, o Universal.
O amor, a simpatia, a compaixão,
todos os sentimentos deste tipo são manifestações do Universal.
“Ajude os demais, por que eles
estão em ti”, diz a Vedanta. O conhecedor da Vedanta pode sacrificar sua vida
por outro, sem nenhum problema, porque sabe que, para ele, a morte não existe.
A tal ponto chega sua identificação com o universo, que faz o bem de modo
espontâneo, achando o prazer no serviço aos demais. É um homem feliz.
Todas as filosofias da Índia antiga
explicam Deus, o Homem e o Mundo. Acabamos de expor as idéias que se referem a
Deus e ao Homem; passemos, agora, à explicação do Mundo.
A manifestação do Absoluto e do que chamamos evolução da Natureza,
constituem o Universo. O Mundo não é uma ilusão, não é nada, somente uma
aparência da Realidade oculta por detrás de um Poder.
O “Uno sem par”, a Verdade ultima, é Brahman,
o Absoluto, oculto por detrás de todo este Universo. Não há criador. A
admiração dos homens por este Universo, os leva à
busca da origem deste Mundo, onde está e qual é o seu futuro.
Nos Vedas, Escrituras
mais antigas dos Upanishad,
não se encontra menção alguma de um criador. A busca do criador é a busca do
que é responsável.
Um hino do Rig-Veda chamado Nasadiya-Sukta descreve a natureza dos
homens nessa época ancestral.
Naquele momento (antes da criação) não havia presença de qualquer coisa,
nem vazio (isto é, nem manifestação, nem não-manifestação); então não existia
nem mundo terrestre, nem esta região etérea que se estende ao longo e acima de
nós. Havia um “não sei que” (um murmúrio, Maya)
que envolvia a ambos?
Quem vivia, então, e onde? Aqui não havia mais que Austeridade e somente
Austeridade (isto é, Conhecimento e Vontade pura).
Então não havia nem morte, nem imortalidade, nem dia, nem noite, nem
diferença entre um e outro; só existia o Uno, o Se Supremo, sem ondas, nem
alento (isto é, sem ação, sem mudança); na verdade, não havia nada mais que o
Uno.
As trevas envolviam as trevas; tudo estava indiferenciado; tudo estava
submerso na Águas superiores (a Causa primeira: as Águas superiores representam
as possibilidades latentes do ser). A existência estava imersa na
não-existência: sua grandeza se manifestava por meio da Austeridade e somente
da Austeridade (Conhecimento ou Vontade pura).
Então um primeiro desejo (evolução) apareceu na mente cósmica; e desse
primeiro desejo surgiu o germe de toda a criação.
Rig-Veda, X, 129.
A primeira investigação metafísica explica a criação deste modo. Da
não-manifestação nasce a manifestação. No começo havia o Uno sem par chamado Brahman. E o Universo é uma parte dEle, projetado por Ele. O Universo torna a entrar nEle através de numerosos ciclos.
Ao longo deste estudo, veremos que a busca da Unidade oculta por detrás
da diversidade, sempre existiu na índia. Os sábios se fazem esta pergunta:
Qual é a coisa, cujo conhecimento basta para conhecer tudo?
Este é o tema da Vedanta.
A resposta se expressa na idéia da Realidade Suprema, Brahman, causa última do Universo.
O Taitirya Upanishad diz:
Estes seres nasceram por Ele, e depois voltam e se submergem nEle.
De fato, o Universo não é diferente da causa. Por isso é possível
conhecer o Universo mediante a compreensão de Brahman.
As escrituras vedânticas explicam a existência de dois processos: uma
evolução, na qual o Universo se manifesta e uma involução, na qual o Universo
volta a Brahman.
x x x
A Vedanta é um pensamento, não um livro. Há várias obras sobre o tema e
todas tratam de nos explicar esse pensamento. O termo Vedanta significa fim ou
objetivo dos Vedas, Escrituras sagradas muito antigas, que forma a base do
hinduismo. É muito difícil lhes atribuir uma data exata. Os sábios hindus os
remontam a uns quatro mil anos, antes da era cristã.
Os Vedas são hinos
transmitidos oralmente, de geração em geração. Neles encontramos cantos
dedicados a divindades. Esses cantos mostram, com freqüência, uma compreensão
muito profunda. São documentos sobre esta civilização ancestral, que nos
descrevem aspectos da natureza humana.
A religião vedântica era ritualística, celebrava cultos, entre os que se
encontravam os do fogo, Agni, e os de
adoração de divindades como Varana, Indra e outros deuses. Invocava-se sua proteção atirando oferendas ao fogo. Era-lhes pedido chuvas e bom tempo, proteção para as
crianças, os prazeres da vida terrena e sua proteção contra os inimigos.
Embora o hinduismo moderno não tenha conservado todos estes rituais, nem
os sacrifícios descritos nos Vedas,
mesmo hoje em dia se encontram, na Índia, o costume do culto familiar cotidiano
e a celebração das cerimônias matrimoniais e fúnebres, segundo os ritos
védicos, pois os hindus consideram os Vedas suas Escrituras sagradas. Não conhecemos seus autores. Segundo a tradição, os Rishi, sábios da antiguidade. Escutaram
a Voz de Deus e receberam seus ensinamentos divinos. Assim os Vedas são a Revelação.
Há quatro Vedas, a saber: O Rig-Veda, o Yajur-Veda, o Sama-Veda e
o Atharva-Veda. Esses textos se
dividem em três partes:
1. Os Samhita, que tratam dos ritos e dos
sacrifícios.
2. Os Brahmana, que explicam, em detalhes, a
celebração dos sacrifícios.
2. Os Aranyaka, ou Mensagens do Bosque. A essa
parte correspondem os Upanishad, que
são expressões filosóficas e metafísicas dos Vedas.
Os Upanishads expressam
concepções filosóficas muito elevadas e um espírito de reforma religiosa
baseado nos Vedas. Estes textos nos
dão acesso ao pensamento de antigos hindus chamados Arya.
Já no Rig-Veda se encontram
idéias próprias dos Upanishad, como por exemplo, o hino a Paramatman, Espírito Supremo:
É Ele quem reside no firmamento estrelado em forma de luz; no espaço
intermediário, em forma de ar; no altar dos sacrifícios, em forma de fogo; no
lar, na pessoa do hóspede; no homem, como princípio de vida.
Está em todo ser e em todas as coisas.
É o suporte de tudo o que existe.
É o Ser Supremo.
É Ele e sempre Ele quem resplandece em sacrifício, no firmamento, na água, na luz, na
montanha e na Verdade.
Rig-Veda, IV,
40,45.
Esta é a idéia de Brahman, dos Upanishad e da Vedanta.
Ao estudar os textos vedânticos, se observa que recorrem aos
ensinamentos dos Upanishad, estes são
numerosos. E como os Vedas, foram
transmitidos oralmente e aprendidas de memória.
A palavra Upanisahd se deriva
de dois prefixos, Upa, perto de e ni, perfeitamente e do verbo sad, desbaratar ou destruir. O
significado desta palavra é o conhecimento da Realidade exposto nos textos
sagrados, conhecimento secreto aprendido pelos discípulos sentados perto de seu
Mestre. Essa é a tradução do termo Upanishad.
Os Upanishad retomam as idéias
dos Samhita védicos, refinando-as e
elevando-as a um grau superior de compreensão. Por exemplo, nos Vedas se encontra a esperança de ir ao
Paraíso após a morte, para viver ali uma alegria eterna, pura e livre de todo
sofrimento.
Como podemos ir ao Paraíso?
Os Vedas responde que por meio de sacrifícios.
Os Upanishad dão uma
explicação diferente. Levam em conta o enorme desejo
humano de encontrar a permanente felicidade, sem sofrimento. Porém essa idéia
não é uma expressão da Sabedoria. Imaginar que o Paraíso nos dará uma
felicidade eterna é uma falsa imaginação. A Vedanta diz que a felicidade de um
Paraíso, qualquer que seja, não é eterna, mas
temporal, como todas as alegrias humanas. Se quisermos encontrar a verdadeira
felicidade, temos que buscá-la em outra parte e tão perto de nós quanto seja
possível, quer dizer, em nós mesmos.
A vida, tal como se concebe em um paraíso, não é mais que um
prolongamento da vida normal na terra, enquanto que a realização espiritual, à
que nos convida a Vedanta, é uma experiência na qual chegamos a superar a noção
de tempo, para alcançar uma consciência mais ampla. Isso não é comparável, em
absoluto, com uma viagem ou com uma vida em um país diferente. Para descrever
este estado, os Upanishad dizem:
Quando se expulsam do coração todos os desejos, o mortal se torna
imortal. Nesse mesmo ponto alcança o Brahman.
O objetivo da vida humana é alcançar esta consciência suprema, conforme
a idéia da imortalidade parecida com Deus. É a absorção no Impessoal, no Divino
transcendente.
A salvação de descreve sob quatro formas:
1. Uma vida
intima com o Senhor.
2. Uma vida
parecida ao do Senhor.
3. Uma vida consciente
de Deus no céu.
4. Uma comunhão
constante com Deus, o que quase constitui a identidade com Ele.
Sob essas quatro formas refere-se a Vedanta e a
liberação, objetivo de nossa vida terrena. Esta liberação nos emancipa da
escravidão do tempo. O nascimento e a morte pertencem ao tempo. Alcançar nos
libertarmos do condicionamento temporal é precisamente nosso ideal. A liberação
é um estado de consciência diferente, mais além da consciência ordinária da Maya terrena.
A consciência ordinária do mundo temporal se vê restringida pelas
limitações de nossa personalidade, nossas ações e nossos pensamentos, enquanto
que no estado de liberação, o ser humano está livre de seus pecados, como um
cavalo que agita sua crina, como a Lua que sai, intacta, depois de ter sofrido um eclipse de Rahu. Assim, o homem liberado se emancipa da escravidão mortal e os
resultados de todas as suas ações se queimam, dizem os Upanishad.
Pode-se falar da liberação em termos talvez mais compreensíveis para
nós, se dissermos que é um conhecimento no qual não existe nenhum desejo. Às
vezes de faz referência ao homem liberado como livre de desejos, Apta-Kama. É o estado consciente da
unidade com o Universo. O ser humano não pode desejar nada, porque sente sua
completa unidade com o todo.
O Mundaka Upanishad diz, a
este respeito:
Quando se vê o Supremo, os nós do coração se desfazem, as dúvidas da
razão se desvanecem e os resultados de nosso karma de destrói.
O estado de liberação pode ser comparado a de um cego que tivesse
recuperado a visão. Exteriormente não há mudanças, mas para ele, que alcançou
este estado, a vida já não é a mesma, se transformou.
Swami Vivekananda o expressa assim:
O homem que alcançou este estado na vida atual, para ele, quando a visão
do mundo habitual se transformou, para quem a Realidade de tornou aparente,
embora só por um momento, esse homem se chama um “liberado-vivente”.
O objetivo da Vedanta é o de nos ajudar a alcançar essa liberação desta
vida.
Fica por dizer algo sobre a relação que existe entre a Vedanta e nós, em
nossa época. Temos, hoje em dia, uma grande liberdade de pensamento e a
liberdade de criticar tudo. O dogmatismo de outros tempos perdeu muita força.
Todas as nossas idéias sobre o governo, a sociedade, a religião, etc., se
submetem a escrupuloso exame à luza da razão.
Immanuel Kant disse:
Nossa época é uma época de crítica a que ninguém pode ter a esperança de
escapar.
Quando a religião trata de proteger-se através de suas atividades e sua
lei, através de sua majestade, desperta justas suspeitas
contra si mesma.
...Aquele que a razão não apóia, não pode suportar a prova de um exame
livre e aberto.
Isto nos conduz a um intento de integração das descobertas realizadas em
todos os terrenos, as ciências, a filosofia, a sociologia. Em nossos dias,
encontramos muitos pontos de contato entre a filosofia e a ciência. A este
respeito, a Vedanta nos diz que não existe contradição entre filosofia e a
ciência. Na busca da verdade, conhecemos todos os caminhos, o da filosofia e o
da ciência. 0s grandes sábios já encontraram a extraordinária unidade que há
por detrás de todos os fenômenos.
Há leis que regem a existência dos seres vivos e leis que regem a
existência da matéria. O átomo e o protoplasma vêm da mesma fonte, sob
distintas formas. Em certas condições, a matéria é a fonte de tudo o que carece
de vida, enquanto que em outras, a própria matéria está viva. Há grandes
estudos em curso, para descobrir como se forma a vida.
x x x
A Vedanta parte do princípio de que não existe nada mais que Brahman,
que se manifesta de diversas formas. Isso nos permite observar uma proximidade
entre filosofia e ciência. Outra questão igualmente interessante é a da
consciência individual, por meio da qual atribuímos grande importância a tudo
aquilo que gira ao redor de nosso ego. Mas quando examinamos o ego mais de
perto, encontramos nele uma combinação de diversas experiências realizadas ao
longo de nossa vida e que nasceram do contato com objetos exteriores.
Agora, destes objetos, cada um de
nós tem uma imagem. Não é mais que uma imagem, mas com o conjunto das imagens
que nós fabricamos, chegamos a criar nossa
individualidade. Esse é nosso ego. Não sabemos quem está fora de nós. Porém, com nossa imaginação e nosso pensamento, cada um
de nós cria sua própria imagem.
Se buscarmos o fundo de nós mesmos, se refletirmos, se, definitivamente, quisermos aprender a nos conhecer, compreenderemos que
essas “imagens” se refletem, sempre, sobre a mesma “tela”. No geral alcançamos
este conhecimento interior e ignoramos que existe, em nós, a Consciência pura,
sobre a qual se refletem as imagens.
A consciência de nossa individualidade se fixa em nós desde a infância e
ao longo de nossa vida. Porém a verdade que devemos descobrir é que a
Consciência pura está oculta por detrás de da nossa própria idéia de nós
mesmos.
Assim poderemos compreender o esplendor magnífico da Vedanta.
A Vedanta nos diz como buscar a verdade em todos os terrenos, ao nos
mostrar a harmonia universal que relaciona a religião, a filosofia e a ciência.
Encontramos nela uma explicação convincente da Ètica, que nos faz ver a
humanidade como uma grande família. É uma esperança que reconforta a todos.
Nela encontramos, com certeza, o objetivo de nossa vida, pois nossa evolução é um
fato. E esse é um grande tema.
Swami Vivekananda referiu-se a importância da vedanta e de sua
influência na sociedade. Embora a Vedanta se remonte a uma época muito antiga,
tem uma mensagem para nós e podemos utilizá-la em nossas atuais sociedades,
cujas tradições são muito diferentes. Essa mensagem nos ajuda a compreender os
terrenos do pensamento, que nos permite alcançar um estado mais satisfatório.
Ao falar da Unidade na Diversidade, Vivekananda disse:
Há dois tipos de seres humanos: uns buscam a espiritualidade e outros,
se fixam em abjetos materiais. Ambos podem alcançar o bem. Todos
trabalhamos, cada um em nosso terreno. Agradaria a Deus que cada um de
nós fosse igualmente hábil nos dois terrenos. Vi sábios que eram tão hábeis no
terreno espiritual, quanto no terreno cientifico e tenho grande esperança de
que, com o tempo, toda a humanidade obterá as mesmas capacidades. Ao observar a
água que começa a ferver, primeiro se verá a bolha que sobe, depois outra e assim sucessivamente, até que todas se unem e produzem uma
enorme agitação.
Este mundo se parece muito com isso. Cada indivíduo é como uma bolha e
muitas bolhas são como uma nação. Essas nações se unem progressivamente e estou
seguro de que chegará um dia em que não haverá mais separação. Essa Unidade,
para a qual todos estamos indo, se manifestará.
Chegará um dia em que cada homem será tão perito no mundo cientifico, quanto no
espiritual. Então essa Unidade, a harmonia da Unidade, impregnará o mundo
inteiro. Todos os homens serão Jivan-Mukta,
liberados viventes.
Todos nos esforçamos por alcançar esse objetivo único, através de nossas
invejas e nossos ódios, tanto quanto através de nosso amor e nossa
fraternidade. Uma imensa onda desce até o Oceano e nos arrasta todos com ela.
No final da viagem, e embora talvez flutuemos a deriva como fibras de palha, ou
pedacinhos de papel, sabemos que chegaremos ao Oceano
de Vida e de Beatitude.
Gnana-Yoga, págs. 177 - 178.
OM
Conduze-nos do irreal para o real,
Da escuridão para a Luz,
Da morte à imortalidade!
OM! Paz! Paz! Paz!
II A PSICOLOGIA HINDU
OM! Que o Ser supremo nos proteja!
Que o Ser Supremo nos alimente!
Que nosso estudo esteja pleno de
energias!
Que não haja nenhum ódio entre nós!
OM! Paz! Paz! Paz!
O estudo da psicologia hindu é um tema importante, que nos facilita a
compreensão sobre nossa vida. A exporemos de acordo
com os métodos antigos e clássicos, e não segundo as escolas de pensamento
modernas. A filosofia e a religião formam, na Índia, um conjunto de estudos
complementares orientados para o mesmo objetivo.
Desde os tempos dos tempos dos Upanishad, existe uma escola de pensamento que ensina que a melhor
forma de felicidade é obtida por meio da experiência intuitiva. Naquele tempo
havia homens que realizaram tal experiência. A tradição se transmitiu, nos
animando para buscarmos, por nós mesmos, uma experiência similar. Deste modo, a
crença em um Paraíso ou vida no céu após a morte, foi substituída pela
convicção de podermos realizar, neste mundo, o fim supremo de nossa existência.
Os Upanishad ensinam que a
Realidade absoluta é encontrada nas profundezas de nosso ser e que o objetivo
de nossa vida é chegar a conhecê-la. Todas as disciplinas morais, os cultos
religiosos e os exercícios de yoga têm, como
finalidade, a realização deste ideal. Mesmo hoje em dia se pode encontrar, na
religião da Índia, esta mesma crença profundamente mística, baseada na
experiência individual.
A Realidade absoluta, presente no mais profundo de nosso ser recebe, nos Upanishad, o nome de Atman. O Atman é o nome que se dá, na religião, ao Senhor, que está
presente dentro de nós. No Bhagavad-Gita,
Sri Krishna repete, em várias ocasiões:
Eu sou o Senhor que está presente no coração de cada ser.
A realização do Atman é,
portanto, a do Senhor presente dentro de nós. Trata-se da mesma experiência espiritual, vista de dois pontos
diferentes: o da metafísica e o da religião.
Na Índia existem seis tipos de sistemas de filosofia. Dois deles, o Sankhia e a Yoga, são da mesma antiguidade. O método destes dois sistemas se
baseia em separar o espírito da matéria. O espírito se chama Purusha, e a matéria Prakriti. Purusha está unido a Prakriti
por “alguma razão desconhecida”. O ideal de ambos os sistemas é a liberação de
Purusha sobre a Prakriti, liberação que se considerada como o verdadeiro fim de
nossa existência. Isso é assim, posto que só depois de escapar de todos os
vínculos com Prakriti, pode Purusha brilhar em toda sua pureza.
Sob uma outra forma, todas as Escrituras
coincidem em afirmar que a visão interior é a realização positiva da verdadeira
natureza do nosso Eu. Para isso é necessário superar todas as dualidades da
existência.
Nos demais sistemas filosóficos da Índia encontra-se essa mesma idéia, com a leve modificação de que supõe a aceitação de uma
entidade pura, não material, de natureza similar a da Consciência pura.
Uma idéia comum a todos estes sistemas é a de um Espírito do homem, que
permanece indescritível e desprovido de qualidades corrente, uma vez que o
sujeito eterno está acima e fora da mente. Por isso é impossível descrever o sujeito,
como se tratasse de um objeto. O espírito do homem é o princípio fundamental, a
base de sua vida e de todas as experiências pelas quais passa.
O sujeito jamais pode se converter em um objeto. Vou tentar explicar em
que consiste esta idéia da Consciência pura, antes de passar para os demais
aspectos da psicologia hindu.
A consciência de nós mesmos é o sujeito. Eu vejo, eu penso, eu sonho, etc., são as experiências do eu. O eu é sempre o
sujeito, que realiza as experiências. Estas experiências mudam constantemente,
enquanto que o que as experimenta, continua sendo ele mesmo, imutável. É a
testemunha das experiências, tanto das chamadas da juventude, como da velhice.
A vida nos parece como a relação entre o eu e o que cremos que é o
não-eu, ou seja, tudo o que parece estar fora do eu. Suponhamos que o eu seja
absolutamente livre de todas as coisas que parecem ser exteriores a ele e que
não sofre. Nas experiências cotidianas da vida normal, o eu não se entristece,
nem se alegra pelas penas ou prazeres e pode-se dizer que sua natureza é
plácida. Porém não o saberemos, até realizarmos, por nós mesmos, a experiência
de viver como testemunha, livres de toda sorte de experiências físicas, mentais
e emotivas.
Isto é possível? Somos capazes de realizar uma experiência desse tipo,
que possa nos convencer? A resposta é afirmativa, em ambos os casos.
“Sim, é possível e é certo”.
Os psicólogos hindus afirmam:
“Certamente você está no estado de ‘sujeito’ sem objeto; isso ocorre
todas as noites, durante o sono profundo”.
Naturalmente, essa resposta não parece nos satisfazer, pois estamos
acostumados a considerar o sono profundo como um estado sem consciência.
Certamente que se trata de um estado sem consciência dos objetos exteriores,
mas não por isso se pode dizer que a consciência do sujeito tenha desaparecido
por completo. Nesse estado não estamos mortos. Temos consciência do eu,
constantemente, sem nenhuma interrupção.
Não se considera a consciência como uma qualidade que aparece e
desaparece. Esta é uma distinção característica entre o pensamento ocidental e
o pensamento hindu. Se a consciência não se manifesta sempre, dizemos que há um
momento de inconsciência. A matéria também é inconsciente.
Sendo assim, a consciência sai da inconsciência ou matéria. Mas vários sistemas
filosóficos da Índia, não aceitam uma identificação tal entre Atman e Purusha, isto
é, da Consciência pura com a matéria.
Diz-se que a consciência é um atributo inseparável de nosso eu. A
natureza espiritual do Atman não foi estabelecida pela razão; está confirmada
pela experiência.
A psicologia hindu sustenta que podemos nos aperfeiçoar graças a nossa
capacidade de ver, em nós mesmos, a verdadeira natureza interior e de chegar a
vê-la completamente sem resíduo algum, sem nenhuma relação com o mundo
exterior. Mais adiante nos referiremos ao conhecimento do mundo exterior, ao
estudar a natureza do espírito humano.
Descobrimento do Principio interior
O primeiro acontecimento fundamental é o descobrimento do Princípio
interior do homem. As explicações virão depois, por si mesmas. O descobrimento
do Princípio interior é uma experiência única e incomparável. Essa experiência
se chama, às vezes, de Sunya,
experiência do vazio ou de Akasha,
experiência do espaço. Há várias descrições, mas nenhuma totalmente
satisfatória.
Embora o tema, que agora nos ocupa, seja psicologia hindu, fica muito
difícil separá-la da metafísica. Como já disse, a
psicologia, a metafísica e a mística formam um conjunto de estudos
complementares, orientados para o mesmo objetivo: o conhecimento do Atman,
Princípio fundamental de nossa existência.
Desse modo podemos compreender que, em cada ser humano, está presente um
Princípio eterno, que é a fonte da Consciência. Este permanece ao longo dos
estados de vigília, sono e sono profundo. Existe também depois da morte. Não há
momento em que não exista a consciência.
Quando se está desperto e durante o sono, a consciência conhece os
objetos. O sujeito pode ver diante de si os objetos deste mundo, enquanto que
durante o sono o sujeito vê imagens produzidas em sua mente. Durante o sono
profundo e durante o estado que produz uma anestesia, a Consciência está
totalmente interiorizada. Existe sempre. Essa é a explicação dada pelo
pensamento hindu.
A Consciência não é um conhecimento que dependa da razão, nem que
resulte de uma comparação. Quando um homem se encontra em um ambiente que não
tenha conhecido antes e que não sabe descrever, tem consciência dele. Guardará
sempre a recordação de ter experimentado este ambiente. É uma relação sujeito e
objeto.
Em nenhum caso podemos definir a Consciência. Podemos compreender o que
é, mas não podemos descobri-la, já que é a raiz de todo conhecimento.
A vida mental começa na Consciência pura, quer dizer, sem nenhuma idéia,
nem pensamento. É como a luz que ilumina todos os objetos que tem diante de si.
Assim se formam os dois aspectos de nossa vida: o mental e o físico. Podemos
distinguir, então, as ações dirigidas pelo espírito delas que, pelo contrário,
escapam ao seu controle.
Estamos em contato com o mundo exterior por meio de nossos membros
exteriores: pernas, braços, etc. Se aceitarmos que nossas experiências externas
e nossos pensamentos são produzidos pela atividade de nossa mente, teremos que levar em conta que a psicologia hindu distingue,
além disso, um órgão que denomina órgão interno. É o Antahkarana. Este órgão dirige todas as ações da mente dirigidas ao
exterior. Tem várias funções, cada uma das quais
implica em uma atividade peculiar, que recebe um nome. Existe, por exemplo, a
função de registrar o conhecimento recebido das impressões sensoriais, tais
como a visão, o gosto, o tato, etc.
Todas as sensações chegam ao nosso conhecimento por meio do Manas, que é
uma das funções de Antahkarana. Pode nos ser bastante surpreendente o fato de
que, para a psicologia hindu, a percepção é uma projeção do
Manas, ou da mente sobre o objeto observado. Esta projeção produz uma
reação na mente do sujeito, é a mesma mente que se dirigiu sobre o objeto, o
tateou, o envolveu, se apoderou de algum modo dele,
adotando sua forma e produzindo, assim, uma sensação. Tal é a função de Manas.
Existe outra função do
Antahkarana, a de Chitta. Trata-se,
também, do órgão interno, mas que executa uma atividade diferente, a de
conservar as impressões, enquanto que o Manas nos
provê de sensações, de todas as impressões sensoriais que se produzem
constantemente, sem parar, com exceção do sono profundo. Assim, é necessário
conservar todas as impressões e essa é, precisamente, a função do Chitta. Pode
se dizer que conserva todas as lembranças e os
vestígios deixados pelas impressões anteriores.
A terceira função do Antahkarana se chama Buddhi, a inteligência. Esta função é a mais importante. Todas as
informações apontadas pelos Manas devem ser examinadas
e analisadas com um critério discriminatório. O Manas carece da capacidade de discernimento. Proporciona as sensações sem compreendê-las.
Porém é precisamente da discriminação que surge o conhecimento.
Por exemplo, esse objeto que vemos não é uma mesa, mas uma cadeira. Esse
tipo de compreensão nos chega graças a atividade de
Buddhi. A qualidade distintiva de nossa condição humana é a razão. Nosso Buddhi
determina nossa conduta na vida cotidiana. É individual, mas ao mesmo tempo é uma manifestação do Buddhi cósmico ou inteligência
cósmica, chamada Mahat. Por isso, o
homem que alcança purificar seu Buddhi individual de toda a ligação egoísta, consegue estabelecer o contato com o
Buddhi cósmico e está mais próximo da Consciência pura. É assim que o homem
alcança sua realização. Quem alcança tal estado pode se por em contato com o
pensamento de outras pessoas, coisa da qual já ouvimos falar. E também o poder
de compreender imediatamente o que pensa uma pessoa. Esta capacidade de entrar
em comunicação com a inteligência cósmica, permite comparar o Buddhi com a ponte que une
a Consciência suprema e a consciência da vida ordinária. Para poder ver a
ponte, temos que alcançar um grau superior de compreensão.
Com a consciência da vida ordinária, nosso Buddhi é muito impuro, uma
vez que o mesclamos com toda a sorte de elementos procedentes de nossos
impulsos, nossos gostos, nosso temperamento e nossa personalidade.
Neste ponto se apreciam bem as diferenças que existem entre a psicologia
ocidental e o pensamento clássico hindu.
Por último há outra função do Antahkarana, que recebe o nome de
Ahamkara, que é a que nos permite a consciência de nosso próprio Eu.
Todas as experiências que eu realizo me pertencem, são minhas. Assim,
sempre teremos a mesma formulação: eu como, eu penso, eu sonho, etc. Não
passamos por nenhuma experiência sem ligá-la ao eu e sem designá-la com um
nome. O Ahamkara é o gerador da individualização, do sentido do ego. Talvez a
seguinte explicação ajude a entender essa concepção hindu.
O Atman está por detrás do Antahkarana humano e é quem lhe dá força para atuar.
Quando falamos do eu, ou de mim, nosso Antahkarana está ligado por uma
parte da Consciência pura e por outra a nosso Buddhi,
nosso Chitta e as demais funções de nosso Antahkarana.
Nosso Ahamkara é, na realidade, nossa personalidade, nossa consciência
individual. Por isso não é correto identificar nosso Ahamkara, ou nossa yoidad com o Atman universal. O
Ahamkara é o reflexo do Atman, mas não é o Atman mesmo.
Com freqüência ouvimos esta expressão do Upanishad que diz: Aham Brahmasmi (Eu sou Brahman).
Quem é esse Eu? Neste caso não se trata do eu da vida
corrente, pois este é uma personalidade. Quando digo "Eu sou
Brahman", esse Eu está totalmente livre de qualquer Consciência de personalidade.
Em nosso ego se encontra a impureza de nossa individualidade. Essa impureza é
precisamente a qual temos de nos libertar. Este esclarecimento se torna
necessário para evitar a confusão que poderia se introduzir em nossa concepção
de "eu" da vida ordinária, do ego e na compreensão de Eu, que é o Mim
supremo, que se identifica com o Atman universal. Partir da compreensão do "eu" egoísta, para chegar a do Eu
universal supremo, é o objetivo supremo de nossa vida terrestre.
Nossa vida de desenvolve na Prakriti, a matéria. Mas uma
parte de nossa consciência não é matéria. Existe outra parte, formada por nosso
corpo e todas as faculdades, inclusive a capacidade de pensar, refletir e
discriminar no seio da matéria. Somente é necessário fazer uma distinção, uma
vez que o Antahkarana não é da mesma matéria que o corpo, mas que é de natureza
sutil.
A Consciência é a que não muda - é sempre perfeita e eterna – enquanto
que a matéria muda constantemente. Em nosso estado puro e perfeito, carecemos
por completo de matéria.
Não existe nenhum do texto que se intitule “A psicologia hindu”. Este
tema é exposto pelas diferentes escolas filosóficas da índia
, entre as que , naturalmente, encontramos diferenças de interpretação.
Por exemplo, o Chitta não tem o mesmo significado na Vedanta de Samkaracharya
que na filosofia Samkhia e na Yoga.
A Vedanta considera o Chitta como a reserva de todas nossas
experiências, enquanto que a escola Samkhya e a da Yoga sustentam que o Chitta,
que se identifica com o Antahkarana, é o conjunto faz atividades mentais. Extraímos
a amplitude dos estudos que se realizaram sobre o Chitta. A psicologia se ocupa
do tema como a corrente de um rio que nunca pára.
Na vida normal, nossa mente se modifica constantemente e por isso não
podemos conhecer nossa autêntica natureza. Para chegar a conhecê-la, temos que
deter o curso dessas modificações. Mas acontece que deter essas modificações,
requer um esforço formidável, já que não somente recebemos constantemente novas
impressões, mas também temos, permanentemente, as recordações de nossas
experiências anteriores, que surgem enquanto tratamos de extrair as novas
impressões, ou seja, quando nosso Manas não se coloca ante os objetos exteriores para receber sensações. O mesmo acontece quando
tratamos de controlar nosso pensamento.
Nisto consiste a dificuldade que experimenta quem medita. A meditação é
difícil, enquanto temos em nós uma multidão de impressões que nos agitam,
quando surgem em nós lembranças de experiências da vida cotidiana. Nestes
casos, a concentração se torna muito difícil de alcançar, embora não seja
impossível.
A Yoga de Patanjali expõe com grande amplitude, os diferentes aspectos
de nossas experiências ordinárias. Há momentos em que nosso espírito se encontra
agitado e outros em que se encontra em um estado normal. Também existem
momentos em que se pode encontrar um estado de iluminação. Isso ocorre quando
nosso espírito se acha mais agudo e profundamente purificado. Então desaparecem
todos os nossos vínculos com a matéria e com a vida exterior. A Inteligência
pura pode manifestar-se. É a maravilha de nossa existência e nossa vida
terrena.
Embora as diferentes escolas de filosofia indiana empreguem as palavras Antahkarana, Chitta e Buddhi com
interpretação às vezes ligeiramente diferente, podemos comparar o Atman com a
luz e o Buddhi com um cristal. Se o cristal está coberto de impurezas, se não é
transparente, a luz não se filtra através dele. Porém a luz nos iluminará,
quando tivermos eliminado essas impurezas.
Também são nossas impurezas as responsáveis por não chegarmos a
compreender, com facilidade, nossa autêntica natureza. Nosso espírito, agitado
por diversas experiências físicas e mentais, torna impossível que se manifeste
em nós, a Consciência Pura.
Na realidade, o tema é muito amplo e inclui, também, aspectos
psicológicos que não tratamos aqui. A percepção, os sentimentos, a vontade, etc., são outros tantos aspectos que ocupam um
lugar neste estudo. Teremos que considerá-los um a um. Não é fácil encontrá-los
expostos integralmente nos livros, uma vez que seu estudo requer também a
filosofia. As escolas filosóficas da Yoga, da Vedanta, do Vaiseshiva e do
Nyaya, se ocupam destas questões e as explicam de um modo satisfatório para sua
filosofia.
A teoria da percepção é especialmente interessante, já que para o
pensamento hindu a percepção não pertence exclusivamente ao terreno dos
sentidos. Existem também órgãos internos chamados Indriya. Talvez possam estar localizados em certos pontos do
cérebro. Em todo caso, se trata de um tema que deve ser aprofundado em outra
ocasião, pois ultrapassa o propósito deste livro.
Na Índia, os estudo psicológicos se concentram nos poderes da mente, em sua totalidade. O estudo deste tema não está vinculado
ao estudo do cérebro, do sistema nervoso, não leva em
conta as disciplinas que devemos por em prática, para avançar pelo caminho do
conhecimento. Uma simples explicação teórica, que não seja seguida
convenientemente e posta em prática, não teria muito valor. Todos os nossos
estudos se orientam para uma experiência que deve ser realizada individualmente
e que se considera imprescindível.
A Vedanta é, também, a explicação que os sábios dão a suas experiências
individuais. Esta explicação trata sempre se nos levar para aquilo que os
sábios consideram como o ideal supremo a ser realizado em nossas vidas. Deve
ser seguido seu exemplo, já que a experiência espiritual nos dará a força para
fazer frente às dificuldades com as quais nos encontramos na vida cotidiana.
Por isso se estuda, em especial, a relação da natureza de Chitta, com a
experiência espiritual. Esta experiência é a da realização do Atman. É uma
experiência intuitiva.
Que não me entendam mal. Não se trata de mera imaginação, mas de uma
experiência individual, no terreno da intuição. É um tipo de compreensão
superior ao da experiência mental. Quero precisar isto ainda recordando o que
disse antes: quando o Buddhi individual está purificado, pode entrar em contato
com a Inteligência cósmica, pode ter uma intuição.
Para o pensamento hindu, a experiência intuitiva é o fim da vida na
Terra. Para alcançar essa experiência, temos que seguir práticas espirituais. O
estudo da psicologia hindu, nos ajuda a cumprir, com
êxito, estas práticas. No esforço que se deve ter para chegar a essa
experiência, o homem atravessa diversos níveis de compreensão, antes de
alcançar o “estado de esplendor indestrutível”, estado que dá o conhecimento, o
amor e o poder. Quem realizou esta experiência é um profeta e, em alguns casos,
um chefe espiritual. Os hindus a chamam de Encarnação.
Para chegar a esta experiência, é necessário desenvolver um intenso
trabalho interior e muitos esforços, já que a mente humana se encontra sujeita
ao Atman e ao corpo, ao qual o individuo está fortemente vinculado, como também
o está em sua relação com o mundo.
A mente humana conserva os vestígios de inumeráveis experiências
passadas, chamadas Samskaras. A todos
estes vestígios antigos, se somam as novas de cada dia. Se tivéssemos que
descrever com uma imagem nossa personalidade, poderíamos compará-la com um
grosso vidro, através do qual a luz não passa plenamente. Isso se deve a que os
sábios sejam comparados aos homens com sonâmbulos, isto é, com pessoas que
dormem ao andar, ou andam ao dormir. Elas ignoram, por completo, sua verdadeira
natureza.
Mediante a purificação de nossa mente, podemos limpar o vidro de nossa
visão. Este trabalho é muito duro, embora absolutamente necessário para
alcançar a realização. No geral, deve der realizado em nosso corpo, em nossa
mente, em nossa esfera emocional e no terreno intelectual. Existem vários tipos
de disciplinas, entre as quais podemos escolher o caminho mais adequado a nossas inclinações e nossos gostos. Porém, para poder
avançar nestas disciplinas, devemos ir de etapa em
etapa mental, durante nossa vida terrena. Deste modo, as percepções se tornam
cada vez mais claras e as tentações mundanas perdem a força. A mudança de
produz, então, de modo natural. Que valor teria um pedaço de vidro colorido,
para quem se encontrasse diante de uma mina de pedras preciosas?
Até os prazeres intelectuais e as emoções mais nobres perdem seu
atrativo e podem parecer brincadeiras de crianças.
Em nossa experiência normal, vivemos com nossa inteligência corrente, o
que poderíamos chamar de o nível da razão. Nosso conhecimento é imperfeito, por
mais que o enriqueçamos com a ajuda da lógica, da dúvida, da habilidade e da
comparação de dados conhecidos.
A razão emprega as idéias sugeridas pela mente. Porém a mente está
enraizada nas experiências sensoriais. Toda nossa compreensão intelectual
resulta da lógica e da comparação. Por isso se torna errônea e experimentamos a
necessidade de mudar, porque essa compreensão não se apóia em um conhecimento
sólido, direto e irrefutável.
No terreno da vida intelectual, mudamos de idéia e de racionalização.
Uma vez que, constantemente se produzem novas descobertas, as mudanças se
sucedem. Não ocorre a mesma coisa com o conhecimento integral, intuitivo e
sempre perfeito. Nada está fora dele, nada pode contradizê-lo. é um conhecimento imediato que não nasce de grandes racionalizações.
Sri Krishna disse, da experiência intuitiva,
que requer olhos divinos, isto é, uma capacidade extra-sensorial. O único meio
de alcançar, é superar os vínculos de nossa mente com nosso corpo e nossos
sentidos. Em primeiro lugar, é necessário alcançar a purificação de nossas
impressões anteriores. As técnicas empregadas recorrem a um método
verdadeiramente maravilhoso. Não é tratamento psicanalítico, mas simplesmente a
substituição de nossas más tendências por melhores tendências. Todos conhecem a
palavra atrofia. Aqui há sentido em empregá-la; nossas tendências más são
causadas pelas impurezas de nosso espírito, se atrofiaram e serão aniquiladas,
quando não as deixarmos atuar. A Yoga expõe tudo isto em detalhe.
O aspirante espiritual que deseja realizar sua experiência intuitiva
precisa distinguir claramente os estudos que lhe é necessário, dos que só têm
um interesse técnico. É fundamental que tenha isso muito claro. As Escrituras
consideram, sempre, as disciplinas físicas, morais e religiosas unicamente do
ponto de vista mental, isto é, de sua
influência a partir da mente. Isto é muito importante, já que passamos,
incessantemente, por muitas experiências. Um homem santo também passa, mas sua
natureza é tão firme, que suas experiências não a altera:
para ele, não são mais de que gota d’água em uma folha de loto. Por exemplo: a
renúncia não seria um meio seguro de disciplina espiritual, se fosse somente
externa.
O Bhagavad-Gita e a Vedanta ensinam que a desvinculação do mundo
exterior, não consiste em sinais externos de renúncia, já que os objetos, por
si mesmos, não são nem bons, nem maus. Tudo depende do estado de nosso
espírito. Sri Krishna disse que um sábio vê os gunas atuarem nos objetos dos
sentidos, enquanto que seu espírito permanece totalmente desvinculado. A
Vedanta ensina a prática de qualidades morais como a sinceridade, a
continência, a não violência, a compaixão, etc. Aquele, cujo espírito está
purificado, pode se concentrar durante muito tempo, sem dificuldade.
Depois de ter se preparado profundamente, o aspirante espiritual inicia
a prática da contemplação. Sua mente purificada se concentra no objeto da
meditação, sem admitir nenhum outro pensamento. Por meio dessa prática, o
aspirante alcança o estado em que o objeto da meditação enche seu espírito por
completo. Para esta pessoa só existirá a idéia da concentração, sem nenhum
outro pensamento, nem sensação. Este estado se descreve, às vezes, como aquele
em que o espírito se encontra infinitamente grande.
Segunda a psicologia hindu, a meditação é uma prática espiritual que
retira do nosso espírito, todas as distrações e influências que lhe
perturbaram, para fazê-lo capaz de penetrar em sua própria profundidade. Quando
nosso espírito abandona suas fixações mundanas pode, inclusive, livrar-se da
idéia de personalidade. Então desaparecem as particularidades com as quais nos
identificamos e nossa autêntica natureza se manifesta.
Segundo a Vedanta, a consciência individual, Atman, é na realidade, uma
só; não é múltipla, embora o pareça. A inteligência cósmica, Mahat, nos dá, por
meio do Buddhi, a intuição da unidade oculta por trás da aparente diversidade.
Esta variedade que vemos ao nosso redor, não é múltipla, na realidade, mas uma.
Por alguma razão inexplicável, nos parece múltipla: Maya. Igualmente a
Consciência é, na realidade, uma, a única Consciência infinita.
Quando alcança este estado de compreensão, o homem sabe que as
experiências de sua vida ordinária não são, de fato, mais que aparências. Não
são certas, num sentido absoluto, mas unicamente num sentido relativo. Assim
desaparece a importância que lhe é atribuída. Para o pensamento hindu, realizar
este estado de compreensão é o objetivo de nossa vida na terra e as disciplinas
psicológicas nos ajudam a alcançar esse Conhecimento mais amplo.
x x x
O estudo da psicologia hindu é muito diferente da disciplina ocidental
sobre o tema.
Na Índia, a psicologia define o ser humano como composto de um corpo, um
espírito e a Consciência pura. Ajuda o homem a encontrar, em si mesmo, sua
própria natureza. Para isso é necessário analisar constantemente nossos
pensamentos e nossas ações, por meio de uma minuciosa introspecção. Para fixar
nossa atenção sobre nosso verdadeiro Si, devemos compreender que nossa
personalidade não é mais que uma composição de nossas impressões passadas e
atuais e que temos de nos dar conta de que nos encontramos momentaneamente
aqui, na Natureza.
Aquele que puder compreender esta verdade fundamental, estabelecendo-se
firmemente em seu Espírito puro, será um “liberado em vida”,
para o qual o mundo inteiro será seu país e toda a humanidade sua
família.
Foi tratado de descrever o objetivo da psicologia hindu sem seguir
nenhuma escola de filosofia particular, mas extraindo sua
importância em nossa busca pela única Realidade ou Conhecimento de nosso Si
verdadeiro. Embora pudesse me dedicar muitas horas a expô-la, não me seria possível dar-lhes uma impressão exata, uma vez que se
trata, para cada um de nós, de uma experiência a realizar.
Embora não tenhamos passado por tal experiência, este estudo é válido é útil para nós, já
que nos sugere uma visão distinta, na qual as provas a que a vida cotidiana nos
submete, parecerão menos penosas. Assim, nos será mais fácil nos desapegar dos
acontecimentos passageiros de nossa vida, pensando constantemente que Eu estou
aqui para atravessar diversas experiências, mas minha verdadeira natureza está
sempre livre de tudo isto.
De imediato, sentiremos a imensa tranqüilidade das grandes almas como a
de Ramana Maharsi. Mas tenho que advertir que, sem estar em contato com um ser
realizado, nos será muito difícil compreender intelectualmente o alcance da
experiência intuitiva. Sendo assim, um contato humano é útil para ter a certeza
de que, também para mim, é possível uma experiência como esta. É verdadeira e
me dará a melhor explicação de minha vida e do sentido de minha vida. Esta
experiência me fará compreender como devo viver, em qualquer circunstância.
III. A BUSCA DA REALIDADE
Às vezes não nos sentimos totalmente satisfeitos com nossas experiências
sensoriais e temos o desejo de alcançar um grau de compreensão maior e superior
ao da vida corrente. A ciência e a filosofia nos conduzem a busca da Realidade,
mas como nos aproximar dela?
Enquanto que o cientifico explora o terreno da matéria e as ciências da
vida, o filósofo busca a verdade universal. A nossos olhos, tal verdade não se
estabeleceu de uma vez por todas e parece recriar-se constantemente. E tampouco
gostamos de deter nosso pensamento em um dogma estabelecido, pois nossa busca terminaria
e teríamos que permanecer dentro de limites que nos impediriam de realizar
experiências livremente.
Não necessitamos da razão dogmática para fixar em nós, as idéias
recebidas da tradição. A religião não é a crença de certos dogmas senão, de
fato, na vida mesma, a possibilidade de realizar uma experiência individual que
estabeleça o contato entre a Realidade Última e o homem. Nisso consiste a
verdadeira religião.
A Realidade Última está realmente acima de tudo o que vemos no mundo, é
transcendente. Também se encontra nos fenômenos do mundo, mas fica muito
difícil para nós vê-la, já que na vida ordinária estabelecemos demasiadas
distinções. Estas distinções, não obstante, não existem na Suprema Realidade;
nela não há sujeito, nem objeto. Por sua natureza
infinita e transcendente, a Realidade Última não se converte nunca em objeto de
compreensão acessível a nossa razão. Kant disse que a realidade do espírito
poder ser descrita melhor por sua liberdade, que por
sua natureza. Quiséramos precisar mais, dizendo que a verdadeira religião
existe no momento em que se manifesta em nós a Realidade Última.
Enquanto não estabelecemos um contato direto com a única Realidade, a
religião está, para nós, condicionada por crenças. A Suprema Realidade é
completamente diferente do que vemos na terra; está acima de tudo o que é
finito, está livre de todo condicionamento; se chama Absoluto e brilha por si
mesmo, é infinito, eterno.
O Absoluto fica sempre mais além de nossa capacidade de compreensão, já
que estamos habituados a três condicionamentos: espaço, tempo e causalidade.
Não podemos imaginar coisas que estejam fora deles. Por isso sempre perguntamos
por que e como.
No Absoluto não há tempo, nem espaço, nem causalidade, nem espírito, nem
idéia. Não se produz nenhuma modificação externa.
“Não podem existir nem movimento, nem causalidade ali, onde está o
único”, dizem os Upanishad.
O ser perfeito é Isso, o Único, fonte de tudo quanto existe. Dele deriva
a existência de tudo o que é. Como chegar a compreender Isso? Este é,
precisamente, o problema dos filósofos. Em seu livro A evolução das religiões, o Dr. Calis nos diz que podemos
compreendê-lo, observando o mundo que nos rodeia, buscando dentro de nós mesmos
o Si, buscando o Senhor e considerando a Ele como o Ser que unifica os mundos
interno e externo, manifestando-se em um ou outro. Isto quer dizer que nossa
busca pode adotar a forma de um estudo cosmológico, psicológico ou teológico.
“Em primeiro lugar, vemos o mundo exterior que nos rodeia, antes mesmo
de considerar nosso próprio ser e de captar a idéia do Senhor, que está
presente aí mesmo, em tudo o que existe”.
Esta é explicação que nos oferece o Dr. Calis. Sem dúvida, nem todos os
filósofos estariam dispostos a subscrevê-la. Por exemplo, Descartes
considera que o ser individual é a realidade primeira e também que é a
consciência de nós mesmos a que constitui o primeiro fato de nossa existência.
Assim, o início do processo filosófico é a introspecção.
Spinoza afirma que “Deus é Tudo em tudo”. Sua filosofia começa em Deus e
desemboca nEle. Assim se pode ver como esta busca se
reveste de diversas formas.
A filosofia dos Upanishad procede de modo diferente. Os sábios não começaram por afirmar sua crença no
Senhor, nem por extrair a importância do si ordinário. A idéia mais antiga, e
que parece ter existido sempre, é a de uma Realidade que se manifesta em tudo o
que vemos ao nosso redor. No Veda pode-se ler:
Há uma só Realidade. Os grandes poetas, os grandes sábios, falam dEla em diversos termos.
Não sabemos como os sábios chegaram a esta conclusão; o Mundaka Upanishad formula a seguinte
pergunta:
Que é aquele que, uma vez conhecido,
permite conhecer tudo o mais?
Esta pergunta é fundamental; convém repeti-la.
Swami Vivekananda disse, em certa ocasião: “Se alcançássemos este nível
de conhecimento nas ciências, a investigação cientifica teria tocado o seu
fim”.
Os filósofos alcançaram uma determinada forma de conhecimento. Em todo
caso, a Vedanta considera que chegaram mais longe. O Upanishad responde, sem recorrer a nada que esteja além da
experiência. Tal é a contribuição específica e essencial do Upanishad. Não diz “creia em mim”, nem
“creia no Senhor ou no Criador”. Nos pede que
realizemos a experiência direta que nos fará compreender a verdade. Desde essa
época existia já a convicção de que algo imutável, que nunca muda, se
encontrava oculto por detrás de todos as mudanças
observáveis. A mudança produzia, de modo natural, a
idéia de que não mudava.
O Taitiya Upanishad de refere a Realidade Última nesses termos:
Aquele de
onde a verdade dos seres nascem, aquele pelo que os seres nascidos vivem e o
que volta a entrar ao morrer, só Isso deve ser considerado como a Realidade
Última.
O Sverasvarata Upanishad se
expressa desse modo:
Os que falam de Brahman não dizem o
que Brahman é enquanto causa; dEle nascemos, por Ele
existimos e nEle encontramos o descanso.
A busca do “substrato eterno” aparece claramente nos Upanishad. Mais adiante tornaremos a
encontrá-la na filosofia grega.
Todas estas citações mostram como, na época dos Upanishad, existia uma crença fundamental, que via na diversidade
deste mundo a manifestação de uma mesma realidade eterna e que reduzia a
multiplicidade que nos rodeia, uma simples diversidade de expressões da única
Realidade fundamental. A Vedanta lhe dá o nome de Brahman. Esta palavra tem
vários significados; deriva da raiz brah,
que significa crescer, aumentar, estender; seus diversos significados são
sabedoria, hino de louvor, conhecimento sagrado, poder oculto dos Mantras,
Espírito Supremo e primeira Criação. Porém, no último termo, Brahman é a
Realidade Última.
Através de suas investigações, os sábios chegaram a descobrir que existe
sempre uma afinidade e uma relação entre quem busca Brahman e o próprio
Brahman. Esta é outra aparência da Realidade Última. Temos, em nós mesmos, esse
Conhecimento fundamental, mas ainda não estamos conscientes disso. os sábios sustentam que, alcançar esta consciência, é o
objetivo de nossa vida. é uma esperança infinita.
Vários Upanishad reconhecem
Brahman como Realidade Última. Os alunos pedem a seu Mestre que os instrua em
Brahman. Evidentemente, houve sábios que realizaram a grande experiência
espiritual da realização de Brahman, uma vez que encontramos textos que
afirmam:
“Brahman é tudo, não existe nada mais”. “Sarvan Jalvidam Brahma”.
Normalmente começamos nossa investigação pelo estudo do mundo que nos
rodeia; queremos conhecer a origem do Universo e de toda a Criação. Queremos
saber como começou tudo. É uma curiosidade legitima e geral. Muitos livros,
como a Bíblia, dão uma explicação desse começo. Também podemos encontrar nos Vedas e isto é muito interessante. A
pergunta que se formula é a seguinte:
“De onde vêm as coisas? Quando nada existia e nem sequer nada era,
quando as trevas estavam perdidas nas trevas.
Quem alcançou ante si este Universo? Quem conhecia o segredo?
O hino Nasadiya-Sukta diz:
“Naquele momento (antes da Criação), não havia nem presença de nenhuma
coisa, nem vazio (isto é, nem manifestação, nem não-manifestação)”.
Meditando sobre esse assunto, os sábios chegaram a seguinte conclusão:
No início, o Universo não existia, como não
existiam nem a terra, nem as plantas, nem o oceano, nem os animais.
Sem dúvida, havia uma “existência”, já que da não-existência não pode
surgir uma criação, nem tudo o que existe ante nossos olhos.
A Primeira Existência se chama Sat,
o Ser absoluto. Brahman é Sat, Eterna Realidade. As religiões chamam Deus de
Realidade.
O Chandogya Upanishad dá a
seguinte definição, em forma de dialogo entre pai e filho.
Antes, porém, quero realçar seu significado.
Havia Sat – Existência – enormemente sutil, indefinível e onipenetrante.
Sat se manifesta sob muitas formas e todas estas diferentes manifestações, não
são senão nomes e formas distintas da mesma e única Realidade, já que a substância
é a mesma.
Tomemos um exemplo que ilustra esta idéia.
Um artesão fabrica um vaso, um prato e uma concha de argila. Se o
artesão quiser, pode modificar a forma e fazer outro
objeto da mesma matéria prima. Se fizer outro objeto, seu nome muda, mas é
sempre a mesma argila. O nome é uma palavra que serve para descrever o objeto.
Esse nome não existe sem o objeto e o objeto não existe sem a argila. Podemos
dizer que a argila é real, enquanto que os nomes e as formas não o são, na mesma
medida, uma vez que mudam.
O pai buscou vários exemplos para o filho poder compreender que os
diversos objetos deste mundo são formados da mesma substância inicial e eterna.
Trata-se da única substância onipenetrante e invisível. O pai chega a esta
conclusão.
Sempre há uma só Realidade. Por detrás de tudo o que vemos, existe o
substrato eterno: Sat, Deus, o Absoluto.
Há aqui o fragmento do Chandogya
Upanishad, Escritura muito antiga, escrita numa linguagem muito simples. O
jovem Svetaketu escutava seu pai, Aruni, que dizia:
- Oh! Svetaketu! Vives como o
Brahmachari (um aluno)? Querido menino, em nossa família não há ninguém que não
estude os Vedas e seja chamado brahmana somente de nome.
Então Svetaketu, com a idade de doze
anos, foi viver com um Mestre. Tinha vinte e quatro anos quando voltou, depois
de estudar os Vedas. Tinha se tornado muito vaidoso e arrogante, porque
acreditava que sabia de tudo.
Seu pai disse:
- Svetaketu, querido filho, me
parece que voltaste vaidoso e arrogante, porque pensas que és sábio. Pedistes
para ser instruído pelo Brahman Supremo, “pelo qual o que não se ouve é ouvido,
o que não pensa é pensado, o que não é conhecido se conhece”?
- Como é isso, reverendo pai?
- Querido filho, do mesmo modo que
pelo conhecimento de um pedaço de argila, se conhece tudo o que é feito de
argila, pois todas as modificações não são senão nomes e cada
nome não é mais que uma palavra, enquanto que a argila é a verdade, o
real.
Filho meu, do mesmo modo que pelo
conhecimento de um só lingote de ouro, ou de cobre, ou de uma jóia, se conhece
tudo o quando foi feito dessa matéria, já que todas as modificações não são
senão nomes, e os nomes não são mais que palavras e o ouro, ou o cobre são, na
verdade, o real.
Do mesmo modo, filho meu, que pelo
conhecimento de um só par de tesouras, tudo o que é feito de ferro se conhece,
uma vez que todas as variantes não são senão nomes e os nomes não são senão
palavras, e o ferro é a única realidade.
Esse é o ensinamento.
- Com segurança, meus reverendos
Mestres não o conheciam, já que se tivessem conhecido, não vejo porque não me
ensinaram. Em todo caso, reverendo pai, ensina-me.
- Assim seja, meu querido.
No princípio, querido filho, Sat, o
Ser, não tinha par. Se diz, do Começo, que era o
Não-ser, só sem par. Desse Não-ser surgiu a Existência. Porém, filho meu, acaso
isto é possível? Como pode vir o Ser do Não-ser?
Na verdade, no princípio, antes da
criação do universo, Sat, o Ser, estava só, sem par.
O Eu queria se converter em muitos.
E pensou: “Posse eu crescer?”. E criou o fogo.
O fogo quis converter-se em muitos.
O fogo pensou: “Posso eu crescer?”. E o fogo criou a água.
E assim, quando o homem está
acalorado, transpira. A água é produto do calor.
A água quis converter-se em muitos e
pensou: “Posso eu crescer?”. E a água criou o alimento. Então, quando chove,
sai muitos alimentos.
Depois do alimento veio a criação
dos que nascem de um ovo, dos que nascem de outro ser e dos que nascem de um
broto.
Depois de ter criado diversos seres,
Ele, Isto, Sat, entrou em cada um deles como seu próprio Si.
Desde modo se desenvolveram os
homens e as formas.
Esta é a descrição que podemos encontrar em um dos Upanishad mais antigos, o Chadogya. Pode ser que o argumento não tenha demasiado
interesse para nós, mas a Escritura sagrada antiga pretendeu nos fazer
acreditar na existência do princípio do Ser, Sat, do qual tudo saiu.
O estudo deste Upanishad nos faz compreender a idéia da única Realidade,
Sat, que é Tudo em tudo. Sat recebe diversos nomes. É o Absoluto, Brahman e
Atman e se chama Deus na religião.
O Universo surgiu de Brahman e só vive por Ele. Esta é outra idéia
importante. Várias escolas filosóficas a desenvolveram, enquanto que os fiéis
de uma religião dirão que o Universo foi criado pelo Senhor e existe por Ele.
Em todo o caso é sempre a mesma Realidade, o mesmo Absoluto, o mesmo Senhor.
A Vedanta afirma que o Universo não é uma criação, mas uma projeção de
Brahman, o mesmo Senhor.
O Mundaka Upanishad cita o
seguinte exemplo:
Como a aranha segrega seu fio e o reabsorve, como as plantas surgem da terra, ou os pelos da
pele do homem, do mesmo modo surge o universo do imperecível.
E no Chandogya Upanishad temos
outro diálogo entre Aruni e seu filho:
Do mesmo modo, querido filho, que as
abelhas preparam o mel recolhendo o néctar de diversas árvores, pra fazerem com
elas a essência, pois o néctar não pode discriminar e dizer: eu sou desta
árvore, ou eu sou daquela outra; deste mesmo modo, as criaturas não sabem que
estão imersas no Ser Supremo.
Tenhamos sempre presente em nosso espírito, esse grande ensinamento do Upanishad:
As criaturas não sabem que estão
imersas no Senhor Supremo.
Do mesmo modo que não há distinção entre as diferentes fontes de onde as
abelhas tenham extraído o néctar, que recolhe e mistura para preparar o mel, os
seres não têm uma consciência distinta, quando estão despertos e quando estão
dormindo um sono profundo. Com efeito, no sono profundo esquecemos nossa
consciência individual. Esse é nosso outro aspecto. Falou-se aqui da Realidade
Última sob três aspectos: Existência, Conhecimento, Beatitude.
O Conhecimento, ou Consciência, é
uma idéia igualmente importante. Nos referiremos a ela
em nossa próxima exposição. É o estudo de nós mesmos. Convém fixar-se na idéia
de Consciência. É uma idéia característica do pensamento vedântico. A Vedanta
afirma que a Realidade última é a
Consciência (Chit) oculta por detrás de nossa personalidade, a Consciência de
nosso próprio estado humano, que sempre é puro e indiferenciado dos demais. Mas
na vida corrente, nosso corpo, nosso pensamento e nossas características
individuais nos fazem pensar que existem várias Consciências. Para aclarar esta
idéia, citaremos novamente o Chandogya Upanishad:
-Esse Ser, que é a essência sutil, é
o Si do mundo inteiro. É a Verdade. Esse é Atman. Esse é tu, oh Svetaketu, disse Aruni.
Se alguém corta uma árvore pela
raiz, sai seiva, embora a árvore estivesse viva.
Se alguém corta pelo tronco, sai
seiva, embora a árvore esteja viva.
Se é cortada pela copa da árvore, também
vemos seiva. Assim, a seiva está em toda a árvore. Graças a seiva, que representa o Atman, a árvore permanece em pé, tomando a água e o
alimento da terra e sendo feliz assim.
Se a vida se vai de um ramo, esse
ramo morre e seca.
Se a vida se vai de um segundo ramo,
também morre e seca.
E quando a vida abandona toda a
árvore, essa é sua morte.
Quando o Si, que habita o corpo se
vai, o corpo morre.
Porém o Si nunca morre.
Esse é o Si próprio do mundo
inteiro, a essência sutil.
Essa é a Verdade. É Atman.
Esse é tu,
oh Svetaketu.
- Oh, reverendo pai, me explique
mais.
- Traga aqui o furto de uma grande
árvore Niagroda.
- Aqui está, reverendo Senhor.
- Que estás vendo?
- Grãos, pequenas
partículas, reverendo Senhor.
- Rompe um grão, meu querido filho.
- Está aqui um aberto, reverendo
Senhor.
Então o pai disse:
- Meu querido filho, essa essência
sutil que tu não vês “está aqui”.
Essa essência é q que mantém em pé a grande
árvore. Tem fé, querido filho!
Esse Ser que é a essência sutil é o
Si próprio de todo o universo.
É a Verdade. É Atman.
Esse é tu,
oh Svetaketu.
Em outra ocasião, o pai explicou a
seu filho que o sal dissolvido na água “está aí”, por todas as partes,
invisível, “está aí” na água.
Do mesmo modo Brahman está em todas
as partes do Universo.
Brahman é o que controla o Sol, a
Lua, o céu, a terra, os rios, a neve, as nuvens. A Realidade tem o controle
supremo deste mundo. Essa é a Verdade oculta por detrás da verdade aparente
deste mundo.
Toda a criação vem Disso, a
Realidade.
Esse fragmento contém idéias profundas e interessantes. Não diz que cada
um tem uma alma separada, mas “Porém o Si não morre jamais...”, “Esse é o si
próprio do mundo inteiro”.
O Si está oculto em mim e o Si do mundo inteiro e, portanto, é um laço
entre todos nós.
É Uno, só que se manifesta em várias formas. Brahman e Atman significam
a Realidade Última.
Estas duas palavras se empregam indiferentemente.
Sem duvida, em algumas ocasiões os Upanishad não falam do fogo como primeira emanação de Brahman. Também se referem ao
espaço. Nem sempre dão a mesma explicação da manifestação. Assim, deste espaço
nasce o ar, do ar o fogo, do fogo a água, da água a terra, da terra os
alimentos e daí tudo o que vemos neste mundo, que é a combinação dos mesmos
cinco elementos.
O Taitiriya Upanishad dá uma explicação
mais clara da busca de Brahman e de Sua natureza.
O aluno pensa em primeiro lugar: Brahman é Aquele do qual nasceram todas
as criaturas, pelo qual vivem e no qual se reabsorvem.
Sabendo que a Realidade é Essa, pensa, na continuação, que os alimentos
(ou a matéria) são Brahman, pois nascemos da matéria, vivemos graças ao
alimento e após a morte nosso corpo volta à terra,
fonte de alimento para todos.
O aluno não ficava satisfeito pela sua racionalização, já que a matéria
não lhe parecia uma explicação válida e suficiente. Então pensou que o prana,
ou força vital, é Brahman. Porém, esta força vital não explica o processo da
Consciência, nem da Inteligência.
Na continuidade, o aluno pensou que,talvez a
mente fosse consciente de Brahman. Mas a mente muda.
O aluno passou, então, à Consciência intelectual. Sem dúvida, ao
considerar o fator do dualismo, isto é, a mudança de um estado a outro, pensou
que esta mudança de natureza não poderia ser Brahman, pois a Realidade última
não muda.
Por último, o aluno descobriu outro nível de compreensão, mais elevado,
que é a fonte de tudo, tanto da consciência intelectual, como da mente, da vida
e da matéria.
O Upanishad não descreve Isso. nos indica que o aluno chegou a uma “experiência
intuitiva de beatitude”, que o satisfez plenamente, ao descobrir a fonte de
tudo por sua própria experiência interior.
Segundo o Taitiriya Upanishad,
a Realidade é:
“Sat-Existência-Chit-Conhecimento-Ananda-Felicidade”.
Nossa busca deve dirigir-se , em nós, pelo
estudo de nosso próprio Si. o Upanishad não aceita a idéia de que tudo venha da matéria. Existe
um “Princípio consciente e inteligente”, uma “lei” na criação, um “processo” na
evolução.
Qualquer que tenha sido a primeira manifestação do Supremo, espaço ou
fogo, o que é seguro é que o homem pode chegar a Brahman por sua própria
experiência intuitiva, por meio da qual toma consciência de Brahman, Ser
primordial.
A Vedanta dá múltiplas explicações sobre a criação, a cosmogonia, a
natureza do homem. Nela se encontra a idéia fundamental de afirmar a unicidade
da realidade Última.
Com freqüência, ouvimos falar de Sat-Chit-Ananda
(Existência-Conhecimento-Felicidade). Mas estas palavras não figuram nos Upanishad maiores, que são os mais
antigos. São encontrados nos Upanishad mais recentes, faz alguns séculos, posteriores ao Chandogya.
O fragmento que recolhemos do Taitiriya
Upanisahd indica que o aluno busca a Realidade Suprema fora de si mesmo, em
um conhecimento mais profundo de sua própria consciência, meditando e
concentrando-se e, si mesmo, no interior de seu corpo físico, produto da
matéria, depois no interior da força vital que torna possível a vida, depois no
interior da consciência, etc.
Quando o discípulo faz uma pergunta ao seu Mestre a esse respeito, o
Mestre responde: “Compreende Isso por meio da Austeridade, da prática da
disciplina espiritual. Esse é o único meio de conhecer a Verdade”. Essa é a
instrução dos Upanishad. É assim como os grandes sábios, os Richi dos Vedas, chegaram a descobrir, por detrás
do homem e do mundo, a existência de uma só Realidade.
Recordemos que não há diferença entre o Absoluto, Brahman e Deus. A
diversidade destas denominações somente se refere a ponto de vista.
Há outra pergunta absolutamente lógica: que diz a Vedanta sobre Deus,
que seja uma idéia comum a todas as religiões?
A resposta é que os Vedas denominam Deus como Ser primordial Brahman. Deus é
Brahman, com atributo, chamado de Saguna Brahman. É a alma universal,
Paramatman.
Tudo o que foi criado, é a projeção de Deus. O mundo está fixado nEle. Tudo isto se explica no Bhagavad Gita, de Sri Krishna. Todas as criações podem ser
comparadas com as perolas de um colar, cujo fio de seda é o Senhor. Todos os
seres dependem do Senhor. Esta dependência está bem sinalizada. O Senhor é a
fonte do universo.
Já na época védica, os sábios afirmavam que o descobrimento da Realidade
Suprema é possível por meio da experiência espiritual, que transcende todos os limites e supera todos os obstáculos, que habitualmente nos impedem de
conhecê-la diretamente.
Os textos dos Upanishad se
referem, com freqüência, às perguntas que faz o discípulo que deseja saber como
se pode chegar a compreender, como se pode chegar a Brahman. O ensinamento diz,
nestes casos, que a pessoa mesma tem que realizar a experiência espiritual que
abre nossa compreensão a uma visão mais ampla das coisas. Esta experiência
assinala o inicio de nossa busca. Como já dissemos, encontrar esta Realidade
Única é o objetivo de nossa vida. Conhecê-la nos coloca em harmonia com o
universo inteiro. Esta harmonia é absolutamente necessária para nossa
felicidade. Mas freqüentemente acontece que, na vida corrente, não nos ocorre a idéia de fazer um esforço sequer para encontrar a Presença
eterna e real.
Podemos encontrar a Unidade, se superarmos todas as diversidades e todas
as oposições. Essa, a Unidade, é tudo o que é puro, tudo o que é belo, tudo o
que é poderoso. Os Upanishad nos
ensinam, constantemente, a grandeza Disso.
Há várias passagens no Svetasvatara
Upanishad, que falam da adoração de Deus:
Aquele que é único, sem cor, nas
diversas manifestações de seu poder, tem em si, inumeráveis cores diversas.
Aquele que reúne o universo do
começo ao fim, pode nos unir a Razão pura. Esse é o
fogo, Esse é o Sol, Esse é o ar, Esse é a Lua, Esse é, na verdade,0
o luminoso, Esse é Brahman, Esse é a água, Esse é o criador, Prajapati.
Oh, Senhor! Tu és a mulher, Tu és o
homem, Tu és o adolescente e também a jovem, Tu és o vacilante velho que se
apóia no bastão.
Ao nascer, Teu rosto mirava para
todos os lados.
Tu és a mariposa azul e negra, Tu és
o louro verde de olhos vermelhos, Tu és a nuvem que leva em seu seio o raio, Tu
és as estações e o mar.
Sem começo, Tu permaneces por tua
Onipresença e de Ti nascem todos os mundos.
(...)
Igual ao fungo que, embora único, ao
penetrar no mundo se torna parecido, por sua forma, a diversas formas, do mesmo
modo esta Alma íntima (Atman), se torna parecida , por
sua forma, a inumeráveis formas e, sem dúvida, é exterior a elas. Igual ao ar
que, embora único, ao entrar no mundo, se torna parecido, por sua forma, a
formas diversas, do mesmo modo que este Atman único de toda a criação, se torna parecido, por sua forma, a inumeráveis formas e,
sem dúvida, é exterior a elas.
Igual ao Sol, olho do mundo, não
está manchado pelas impurezas exteriores que percebem nossos olhos, do mesmo
modo esse Atman interior de toda a criação, não foi jamais manchado por nenhuma
dor causada neste mundo, pois Ele é distinto.
(...)
A alma interior de todo ser, única e
controladora de tudo, torna múltipla sua única forma. Os sábios que encontram
sua presença dentro de si mesmos, alcançam a beatitude
e os demais não.
O único eterno entre o efêmero, o
consciente dentre os conscientes, o Uno dentre os vários, aquele que satisfaz
os desejos, aqueles que o encontram dentro de si mesmos, esses alcançam a
beatitude, mas não os demais.
Acabamos de citar fragmentos do Chandogya,
depois do Katha Upanishad. Neles
vemos o mundo exterior e em nós mesmos, o mundo interior.
O Upanishad disse:
Ao fim chegareis ao conhecimento
desse Ser que está fora de vós e ao mesmo tempo dentro
de vós.
Estas passagens descrevem o universo estabelecido no Ser Supremo. dEle saíram todas as criaturas.
O Khata Upanishad nos oferece
um fragmento que fala da relação entre a Realidade Suprema e nós. Este
fragmento extrai não somente esta relação, mas também a grande importância que
há para nós em alcançar o conhecimento interior, que nos faz conscientes de
nossa verdadeira natureza.
Diz-se que a beatitude é somente para quem pode encontrar Aquele, e não
para os demais. Se os sábios védicos têm insistido na necessidade que temos
pela busca espiritual, é porque chegaram, por si
mesmos, a este conhecimento da Realidade, na qual encontraram uma paz e uma
beatitude supremas.
É assim que compreenderam a harmonia da íntima relação que existe entre
a natureza exterior e nós. Esta compreensão nos é acessível pela experiência
intuitiva, sutil, experiência que nos convence, por nós mesmos, da existência
da Única Realidade.
A Vedanta afirma que, então, vemos a Brahman em todas as partes, como os
olhos abertos. O Katha Upanishad diz
que, ao ter a visão dessa Unidade fundamental, alcançamos a Paz eterna.
A Vedanta ensina que o conhecimento da Realidade oculta por detrás deste
mundo aparente, é a fonte da beatitude.
A busca da Realidade não é uma atividade intelectual, mas converte esta
busca na espiritualidade. Nela encontramos, ao mesmo tempo, a beatitude. É
fácil compreender que os Upanishad não dizem que seja possível estudar
objetivamente a Realidade. Essa é a dificuldade. Estamos acostumados a estudar
com nosso próprio intelecto, como costumamos fazer com um objeto visível e
mensurável. Isto não é possível, uma vez que a realidade é, ao mesmo tempo, a
base do sujeito e do objeto. Para realizar a Verdade, devemos apagar de nossa
mente a distinção que costumamos fazer entre o sujeito e objeto. Fazemos esta
distinção quando não compreendemos que se trata de uma “substância única e
eterna”.
Ao nos instruir nesse Princípio essencial, o Upanishad nos leva a compreender que não há diferença entre
Brahman, o Si individual, o universo e Deus.
x x x
Uma pregação composta por Sri Samkaracharya durante a adoração,
diz:
Eu que ponho diante deste Brahman que destrói o medo em quem vem ante Ele para pedir refúgio, este Brahman que, embora não-nascido, parece associar-se ao nascimento por seu inescrutável e indescritível poder de conhecimento e de atividade, esse Brahman que, embora sem par, parece revestir formas múltiplas para aqueles cuja visão segue enganada pela percepção de inumeráveis objetos e seus respectivos atributos.
IV A NATUREZA DA ALMA
Eu me coloco ante este Brahman que
destrói o medo em quem vem diante dEle a pedir
refúgio!
Esse Brahman que, embora
não-nascido, parece associar-se ao nascimento por seu (inescrutável e
indescritível) poder (de conhecimento e de atividade)!
Esse brahman que, embora em eterno
repouso, parece mover-se e que, embora careça de par, parece revestir múltiplas
formas, para aqueles cuja visão permanece estagnada pela percepção de
inumeráveis objetos e seus respectivos atributos!
SRI SAMKARACHARYA
O pensamento hindu contém uma idéia muito surpreendente, que é a da
Unidade oculta por detrás da multiplicidade das formas. Esta idéia impregna a
cultura, a civilização, a religião, a sociedade e favorece uma convivência
amistosa, apesar das diferenças de opinião. Assim se explica o entusiasmo dos seguidores das mais diversas confissões, desejosos de
reunir-se, pela harmonia das religiões. A convicção de que uma Realidade última
se manifesta em todas as formas, é uma força de coesão da sociedade e das
religiões da Índia.
Não há experiência mais importante para nós, que a da nossa existência, dEsse que é a consciência do EU SOU, que se mantém através
de todas as nossas experiências da vida cotidiana. Jamais duvidamos de nossa
existência. Assim, o conhecimento de mim mesmo é a base de minha vida. isso é o que nós devemos
compreender. Assim começa nossa busca. Sem a consciência do Eu, não haveria
nada. Saber QUEM SOU EU?, é fundamental.
Certamente, na vida corrente o pequeno eu se jacta como um rei, como se
ele tivesse criado o mundo inteiro. Tudo o mais está em segundo lugar. A
alegria e a tristeza estão vinculadas a esta consciência do eu. A noção do ego
pode ser encontrada em todas as filosofias.
Há pensadores que pretendem que o Eu carece de existência; outros o
aceitam e reconhecem seu valor. Porém, que é o Eu, base de nossa vida? Dizemos:
eu vejo, eu penso, eu sinto. O Eu é quem percebe o mundo, quem pensa, quem sente. Mas são poucas as pessoas que tratam de
superar este elementar nível de nossa compreensão. A consciência do eu se
aceita, assim, sem discutir e nos limitamos ao estudo dos fenômenos exteriores.
Na filosofia ocidental, a existência da alma não se estabelece sobre uma
base inquestionável: a alma, o ego, o espírito, aparecem mais ou menos
diferenciados. No terreno religioso, a alma reveste-se de uma importância
maior, enquanto que é muito menor a que lhe é dada na psicologia e na
filosofia. A palavra alma tem o sentido de princípio de vida e de pensamento. A
alma é considerada como uma realidade diferente e separada deste corpo, que
manifesta sua atividade.
Na filosofia da Vedanta, o estudo da natureza da alma é dos mais
importantes e não somente do ponto de vista metafísico, pois é fundamental para
compreender nossa relação com a vida e com todas as suas experiências. Os Upanishad nos dirigem pelo caminho da
introspecção e da meditação para a busca.da única
Realidade e afirmam que a Verdade última é, também, nosso próprio Si. isto não é um dogma, mas um descobrimento que cada um deve
realizar. Em nenhum caso bastaria crer nele. É uma experiência pela qual
devemos passar neste mundo e que constitui o objetivo de nossa vida.
Esta busca começa com o exame do corpo, já que nossa consciência está
ligada ao corpo. Como as experiências de nosso corpo nos são próprias, não
estabelecemos uma separação entre nós e nosso corpo, mas tampouco é suficiente
constatá-la. Em algumas ocasiões, vamos mais além da idéia de corpo.
Duvidamos e não sabemos, com segurança, se nosso corpo é o mesmo que nós.
Chegamos a pensar que somos nosso espírito.
Os sábios dos Upanishad estavam convencidos da existência de uma só Realidade, mas tiveram muitos anos
de meditação, antes de chegar a expressar esta Verdade última. O antiqüíssimo Brhad Aranyaka Upanishad relata a
conversa entre o rei Janaka e o sábio Yajnavalkya.
Um dia se fez a pergunta de qual é a
Realidade ultima? O rei Janaka afirmava ter ouvido o sábio Jitvan Sakini dizer
que a palavra era a última Realidade. Yajnavalkya lhe respondeu:
- Essa não é toda a verdade, mas
unicamente parte da verdade.
- Outro sábio, Udanka Saulbayana
havia dito que o alento é a Realidade última.
- Essa tampouco é mais que uma parte
da verdade.
- O sábio Barku Varshan afirma que o
olho é a verdade final.
- Essa tampouco é a verdade
completa.
E assim o rei Janaka citou diversas
idéias de filósofos que expressaram um pensamento psicológico que considerava
uma função dos sentidos como a mais importante de nosso corpo; essa seria a
Realidade.
Na busca do Que sou eu? Avançamos
etapa por etapa até chegar à Verdade. Yajnavalkya disse, por último:
- O Si, a pura Consciência, que
dirige nosso corpo e nossos sentidos, é a Realidade última.
Brhad
Aranyaka Upanishad, IV, 1 a 4.
O Kena Upanishad expõe esta mesma busca e conclui:
O Si é o olho do olho, a palavra da
palavra, o ouvido do ouvido, o espírito do espírito.
Kena Upanishad,
II, 8.
Nenhum de nossos sentidos pode atuar sem o Si. este Upanishad nos ensina que nosso Si é a Existência mesma no mais profundo de nós.
Ele dirige nossa vida inteira. É muito raro que um homem alcance tal
compreensão. Na vida corrente costumamos nos contentar com comodidades físicas; nos parece que o corpo é tudo. Muitos homens só pensam
em seu bem-estar, se vestem com cuidado, se preocupam por ter boa roupa, sua
consciência do corpo predomina.
Durante o sono, temos outro tipo de experiência. Quando superamos a
consciência que temos enquanto estamos despertos, sonhamos. O corpo dos sonhos
é uma criação do espírito. Não é a Realidade última, mas progressivamente nos
aproximamos do Si. Esse é o método dos Upanishad para nos levar a compreensão da verdade.
Uma citação extensa nos permitirá recobrar o ambiente da civilização
dessa época e mostrar o modo com que os homens buscavam a Verdade. Prajapati é
o Senhor mesmo, o rei de todos os seres.
Prajapati disse:
- ATMAN está livre do mal, da
velhice, da morte, da pena, da fome, da sede. Atman ama a verdade. O fim de
Atman se cumpre. É preciso buscar e encontrar o Atman. Aquele que encontra e
compreende o Atman, compreende todos os mundos e realiza todos os desejos.
Estas palavras foram ouvidas pelos
Devas e os Assuras. Disseram:
- Muito bem! Busquemos Atman para
alcançar todos os mundos e todos os desejos.
Então Indra, dentre os Devas e
Virochana, dentre os Assuras, buscaram Atman. Não comunicaram nada uns aos
outros. Foram buscar a Prajapati levando-lhe, como era de costume, pequenos
pedaços de lenha. Viveram ali trinta e dois anos, de uma vida austera e muito
disciplinada, como os estudantes dos tempos védicos.
Então Prajapati lhes perguntou:
- Com que desejo vives assim?
- Desejamos Atman – lhe responderam
– livre de todo mal, da velhice, da morte, da pena, da fome, da sede. Atman ama
a verdade. O fim de Atman se cumpre. Devemos buscar Atman e queremos
compreendê-lo. Aquele que encontra e compreende Atman, compreende todos os
mundos e alcança todos os seus desejos. Essas são vossas palavras. Desejando
Atman, vivemos aqui.
Prajapati lhes disse:
- Aquele que se vê
com os olhos é ATMAN. Esse é imortal, sem medo, é BRAHMAN.
- Mas venerável Senhor, quem é
Atman: ele, que vemos na água, ou o que vemos no espelho?
Prajapati lhes respondeu:
- É Aquele que se percebe em tudo.
Fixa-o em uma concha cheia de água e diga-me se um de vós pode compreender
Atman.
Então ambos se fixaram em uma concha
cheia de água. Prajapati lhe perguntou:
- Que vês?
- Venerável Senhor, nós dois vemos o
Si exatamente como somos, uma imagem idêntica a nós mesmos até os cabelos e as
unhas.
Prajapati lhes disse:
- Olhem em uma concha cheia de água
bem arrumados, bem vestidos e bem asseados.
Seguiram suas instruções e se viram
na concha bem arrumados, bem vestidos e bem asseados.
É Atman, o Imortal, é Brahman! Os dois partiram com uma grande satisfação em
seus corações. Prajapati olhou-os e disse:
- Vão sem perceber e compreender
Atman. Qualquer um que siga um ensinamento tal como Deva ou como Assura, fracassará.
Entretanto Virochana foi aos Assuras
e lhes disse:
- Proclamem este ensinamento: o ser
do corpo é o único que devemos adorar e servir. Por meio da adoração do si é
possível alcançar todos os mundos, este e outro, aqui mesmo.
Por isso hoje, neste mundo, se diz
que uma pessoa que não é generosa e que não tem fé, que é um Assura, pois esse
é um ensinamento do demônio. Este adorna o corpo de um homem morto, com as
coisas que lhe dão prazer (roupas, jóias) e acredita que, com essas ações, pode
ganhar o outro mundo.
Pelo contrário, antes de chegar onde
estavam os devas, Indra viu o perigo de tal ensinamento. Disse a si mesmo:
- Esse si refletido está bem
arrumado quando o corpo está bem arrumado, bem vestido quando o corpo está bem
vestido e bem asseado quando o corpo está bem asseado. Então este si refletido
fica cego, quando o corpo está cego, só tem um olho quando o corpo não tem mais
que um, está enfermo e morto quando o corpo está morto. E nisso não vejo nada
demasiado agradável.
Indra voltou ante Prajapati
trazendo-lhe, novamente, achas de lenha. Prajapati lhe disse:
- Que desejo, oh Indra, que te fez
voltar? Pois havias partido com Virochana intimamente satisfeito.
- Venerável Senhor, esse si
refletido está bem arrumado, quando o corpo está bem arrumado, bem vestido
quando o corpo está bem vestido, bem asseado quando o corpo está bem asseado;
portanto, esse si refletido fica cego quando o corpo está cego, só tem um olho
quando o corpo não tem mais do que um, está enfermo quando o corpo está enfermo
e morto, quando o corpo está morto. Nisso não vejo coisas demasiadas agradáveis.
- Assim é, oh Indra! – lhe respondeu
Prajapati – Certamente explicarei melhor. Vem viver comigo por trinta e dois
anos.
Trinta e dois anos mais tarde,
Prajapati lhe disse:
- Aquele que se move e que é adorado
em sonho, ESSE é Atman, o imortal, é Brahman.
Indra partiu com o coraçao
satisfeito, mas antes de chegar onde estavam os Devas, compreendeu o perigo
deste ensinamento e pensou: Se o Si do sono não está cego quando o corpo está
cego, se não está enfermo quando o corpo o está e tampouco sofre os defeitos do
corpo. Se não está morto quando o corpo está morto, se não tem só um olho
quando o corpo tem só um, não obstante é como se estivesse morto, como se
estivesse desnudo. É como se fosse consciente da dor e como se chorasse. E
nisso não vejo coisas muito agradáveis.
Indra voltou e Prajapati lhe
perguntou:
- Que deseja, oh Indra, que te fez
voltar?
- Venerável Senhor, embora o si não
esteja cego quando o corpo está cego, embora não esteja enfermo quando o corpo
está, embora não esteja morto quando o corpo está morto, certamente é como se
fosse consciente da dor e como se chorasse. E nisso não vejo coisas demasiado
agradáveis.
- Assim é, Indra! Te
explicarei melhor, vive comigo outros trinta e dois anos.
E viveu com ele trinta e dois anos
mais.
- Aquele – lhe disse Prajapati – que
dormiu bem, que está bem relaxado, muito tranqüilo e não vê o sono, ESSE é
Atman, o imortal, é Brahman.
Indra partiu com o coraçao
satisfeito. Mas antes de chegar onde estavam os Devas viu o perigo deste
ensinamento e pensou: na verdade, neste estado de sono, não pode saber se é Ele
e as demais pessoas. Parece estar aniquilado. Indra voltou com os pedaços de
lenha.
Prajapati lhe perguntou:
_ Que deseja, oh Indra, que te fez
voltar? Havias partido com o coraçao satisfeito.
_ Venerável Senhor, na verdade
Aquele não sabe se é Ele e as demais coisas. Parece estar anulado e não vejo
nisso coisas demasiado agradáveis.
Prajapati lhe respondeu:
- Assim é, oh Indra! Te explicarei melhor, vem viver comigo cinco anos.
E Indra viveu ali
outros cinco anos. E com isso fez cento e um anos. As pessoas dizem que,
na verdade, Indra viveu com Prajapati cento e um anos de uma vida disciplinada,
como a de um estudante dos tempos védicos.
Prajapati lhe disse:
- Oh! Indra! Na verdade o corpo é
mortal, está submetido à morte, mas é a base desse Atman sem corpo e sem morte. Na verdade, o Si encarnado está submetido ao
prazer e a dor. É certo que o prazer e a dor não faltam a quem está encarnado,
mas o prazer e a dor não alcançam Aquele que não tem corpo.
O ar não tem corpo; as nuvens
brancas, o raio e o trovão não o têm, tampouco. Como todos aqueles que saem do
éter e chegam à luz mais elevada, parece que cada um tem sua própria forma.
Do mesmo modo, esse Ser tranqüilo
sai de seu corpo, chega à luz mais elevada e aparece em sua própria forma. Essa
é a Pessoa suprema. Ali acima, Aquele que passa rindo, jogando, se divertindo
com as mulheres, os carros, os pais, sem recorrer ao corpo com o qual nasceu.
Como um animal, está a um carro,
assim está atada à vida do corpo.
Quando os olhos se dirigem ao
espaço, Atman é o vidente e os olhos estão ali para sua visão. E Aquele que
pensa “EU sinto isto”, Esse é Atman. O nariz está ali
para cheirar. E Aquele que sabe “eu digo isso”, Esse é
Atman e a mente é seu olho divino. Aquele que vê o olho divino é Atman, vê de
verdade todos os objetos desejados. Ao ver esses objetos por seu olho divino,
Atman se alegra.
Na verdade esse é Atman que os Devas
adoram. Por isso os diversos mundos e todos os desejos são seus. Aquele que
conhece Atman e O compreende, esse compreende todos os mundos e alcança todos
os desejos.
Assim disse Prajapati.
Chandogya Upanishad, VIII, 1 a 12.
x x x
Quer isto dizer que há que viver cento e um anos para conhecer a
verdade? Prajapati deu suas instruções lenta e progressivamente.
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